Domingo, 04 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 27 de janeiro de 2024
Mensagens obtidas pela Polícia Federal apontam que funcionários da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) reconheceram a utilização indevida da ferramenta FirstMile, programa secreto israelense que permitia monitorar a localização de pessoas por meio de dados de celulares. Segundo investigadores, o fato revela uma “gravidade ímpar”.
Uma dessas mensagens foi enviada no ano passado por um integrante da agência a Paulo Maurício Fortunato, então Diretor de Operações de Inteligência da Abin. Na conversa, o homem diz ao investigado: “Gente nossa que fez um monte de coisa errada”. Em outro texto encaminhado, o mesmo servidor escreve: “Um esforço específico de conversar com o nosso ministro a respeito abrindo tudo o que aconteceu para ele tá”.
Os diálogos ocorreram após reportagem do jornal O Globo revelar, em março de 2023, que a Abin usou durante o governo de Jair Bolsonaro um sistema secreto com capacidade de vigiar os passos de alvos selecionados em todo o país. Após o escândalo vir à tona, a Polícia Federal instaurou um inquérito para apurar os fatos e passou a ouvir integrantes da agência de inteligência e solicitar informações.
Em outubro do ano passado, a PF deflagrou uma operação para buscar provas do uso indevido da ferramenta de espionagem — e apreendeu celulares de suspeitos envolvidos no caso. Após analisar mensagens dos aparelhos telefônicos, investigadores destacaram em um relatório encaminhado ao Supremo Tribunal Federal neste ano que “elementos de prova colhidos podem traduzir o intento de embaraçar as investigações em curso, conduta de gravidade ímpar”.
Essa conclusão fundamentou a operação realizada nessa quinta-feira na sede da Abin. A ação policial também atingiu o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-chefe da agência de inteligência durante o governo Bolsonaro.
Procurado, Paulo Maurício informou que não iria se manifestar. A Abin diz em nota que “vem colaborando com inquéritos da Polícia Federal e do Supremo Tribunal Federal sobre eventuais irregularidades cometidas no período de uso de ferramenta de geolocalização, de 2019 a 2021” e que “é a maior interessada na apuração rigorosa dos fatos e continuará colaborando com as investigações”. Em entrevista à Globonews, Ramagem diz que nunca praticou qualquer ilegalidade.
Prejuízo à investigação
No documento que originou a operação deflagrada nessa quinta-feira, a PF apontou indícios de um “possível conluio” entre os investigados pela suposta espionagem ilegal e a atual gestão da Abin.
“As ações realizadas pela alta gestão atual, dessa forma, se mostram prejudiciais à presente investigação posto que transparecem aos investigados realidade distinta dos fatos gravosos colacionados ao longo da presente investigação técnica”, diz o relatório da PF.
A PF aponta ainda que trechos de depoimentos de integrantes da Abin afirmaram que a “DG”, referência à Diretoria-Geral, teria convencido os servidores de que “há apoio lá de cima”. Não há detalhes a quem os servidores estavam se referindo.
No relatório, a Polícia Federal aponta que o então número 2 da Abin, Alessandro Moretti, teria realizado uma reunião no dia 28 de março do ano passado com os investigados pela PF, ocasião em que disse que o procedimento teria “fundo político e iria passar”. Procurado, Moretti disse que está de férias e não pode falar.
“Não se identificou, por oportuno, normativo que autorizasse cidadãos alheios aos quadros da ABIN – Agência Brasileira de Inteligência – receberem, dentre outras, informações sigilosas relacionadas as diligências em andamento”, afirmou a PF.