Sábado, 14 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 26 de agosto de 2021
Na estrada que leva ao Vale dos Frades, em Teresópolis, um mulungu se ergue solitário em meio a um campo calcinado. A árvore de flores de vermelho intenso, típica da Floresta Atlântica, contrasta com o solo e a encosta cobertos pelo cinza e o negro. O mulungu é um sobrevivente dos incêndios que castigam a Área de Proteção Ambiental da Bacia do Rio dos Frades (APA) e outras 33 unidades de conservação estaduais e dez federais da Mata Atlântica, nos quatro Estados do Sudeste, além de Paraná e Santa Catarina.
O Brasil arde em chamas, de Norte a Sul, mas o bioma onde vivem 72% da população e do qual restam 12,4% da cobertura original é extremamente suscetível ao fogo. Uma área perdida pode levar décadas, por vezes séculos, para recuperar a biodiversidade e os serviços que presta, como produção de água e regulação do clima, explica Carlos Alfredo Joly, presidente da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos.
Na APA dos Frades, muito procurada pelos turistas pela beleza de suas cachoeiras e montanhas, os incêndios começaram na sexta-feira e varreram pastos, plantações, eucaliptais e encostas coalhadas de orquídeas e bromélias. Chegaram às bordas dos grotões de floresta.
Os moradores suspeitam que o fogo foi proposital, não sabem se por pura maldade ou se por alguém que tentou limpar o pasto e perdeu o controle – de resto uma história que se repete Mata Atlântica afora. Ontem, o Programa de Queimadas de Inpe ainda registrava cinco focos de calor ativos nos Frades.
Do alto do eucaliptal calcinado do proprietário rural Brian Cyril Higgins, numa localidade chamada Buraco do Ouro, se avistava na tarde de terça-feira a fumaça que emergia de dois pontos diferentes da floresta dos Frades. Os estalos dos bambuzais em chamas, um som como o de tiros que ecoa pelos vales, é o sinal de que o fogo penetrou na mata úmida.
A serrapilheira, a camada de folhas que cobre o chão da floresta, está uma palha, explica Carlos Pontes, chefe adjunto da Gerência de Guarda Parques do Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (Inea). O fogo vem devagarinho e forma um braseiro sob as folhas. Basta um vento mais forte para um chama escapar e se espalhar. A mata então começa a queimar. Estala, range, crepita. Incêndios florestais parecem trovejar.
Higgins conta que o fogo se estendeu pelo fim de semana. Consumiu completamente a cabana no alto de sua propriedade, o eucaliptal e lambeu os matacões de rocha até atingir a vegetação de Mata Atlântica de encosta, bromélias e orquídeas de espécies exclusivas do bioma.
Essas maravilhas floridas da natureza se tornam bolas de fogo, rolam montanha abaixo e incendeiam tudo em seu caminho. São uma das maiores ameaças aos combatentes de incêndios florestais. Por sorte, um grotão de floresta ainda com água segurou aquele incêndio.
Mas Higgins fita a fumaça que se engole jequitibás ao longe e se preocupa com o risco de o fogo se alastrar. Como outros moradores, ele reclama que a comunidade teve que combater sozinha o incêndio e os bombeiros e brigadas só chegaram no domingo, quando já era tarde demais.
Perto dali, em Vargem Grande, um incêndio na terça-feira se alastrou de um pasto para uma pequena mancha de floresta de topo de morro. Gaviões carcarás mergulhavam em direção às labaredas. Caçavam roedores, tatus, lagartos, cobras e toda a bicharada que foge do fogo em desespero. Enquanto houver chamas, gaviões-de-rabo branco continuarão a patrulhar a área queimada em busca de animais feridos ou em fuga para apanhar.
Os gaviões se aproveitam enquanto ainda há o que comer. Pois o fogo soterra nascentes e acaba com a vida.
“Os incêndios são barulhentos, puro pavor. Mas depois vem o silêncio, não se ouve mais uma ave, inseto, nada. Troncos carbonizados, cinzas que parecem neve. Vira uma floresta assombrada”, lamenta Higgins.
Uma das desgraças do bioma que abriga a maioria dos brasileiros é que 80% de seus remanescentes estão em fragmentos com menos 50 hectares, ilhotas de mata. São elas em sua maioria que têm sido cercadas pelo fogo e, por vezes, engolidas por ele.
“A Mata Atlântica está na UTI, queima e sufoca. E não tem proteção adequada, nem por parte do poder público nem de parte da sociedade. É um paciente grave internado num hospital precário”, afirma Luís Fernando Guedes Pinto, diretor de Conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica.
Os incêndios deste ano são resultado de uma tempestade de fogo perfeita. Crise hídrica, frio intenso que causou geada e deixou a vegetação queimada e ainda mais seca, e alguém para riscar o fósforo. Na falta de raios, a ação humana, intencional ou acidental, é 100% responsável pela ignição dos incêndios florestais. Limpeza de pasto e de campos, queima de lixo, guimbas de cigarro, balões, ataques de caçadores e piromaníacos. Muitas são as formas de iniciar incêndios florestais.
E a preocupação, observa Guedes, é que a tendência apontada pelos cientistas é que a seca e os extremos se tornam regra e não a exceção. Especialistas são unânimes em dizer que o país precisa de um programa de prevenção e gestão do fogo urgente. As informações são do jornal O Globo.