Terça-feira, 23 de setembro de 2025
Por Redação O Sul | 21 de setembro de 2025
O Brasil vive um momento particularmente perturbador. Algumas instituições às quais cabe organizar a vida do País parecem ter sido definitivamente capturadas pelos interesses privados de seus cada vez mais desinibidos integrantes. O resultado disso, perigosíssimo, é a apatia de grande parte da sociedade, que não se enxerga nos arranjos políticos feitos em seu nome e tende a desvalorizar a própria ideia de democracia – abrindo uma avenida para o bonapartismo de aventureiros desqualificados que prometem governar diretamente com o povo, sem as amarras institucionais.
Partiu do Congresso o mais recente exemplo dessa degeneração, com a aprovação, pela Câmara, de um projeto ultrajante, que na prática coloca os deputados e senadores acima da lei. Ainda é possível derrubá-lo no Senado, mas só o fato de ter sido aprovado com expressiva votação, de quase todos os partidos, indica que os senhores parlamentares não estão nem um pouco preocupados com a repercussão de tamanha desfaçatez entre os eleitores.
E isso faz sentido: nos últimos anos, os políticos encontraram diversas maneiras de financiar partidos e campanhas eleitorais sem precisar convencer eleitores a apoiá-los. O dinheiro jorra de bilionários fundos públicos, que crescem em proporção geométrica ano a ano, e também da cornucópia de emendas parlamentares ao Orçamento, que são distribuídas com escassa fiscalização, conforme interesses paroquiais, ou simplesmente desviadas para bancar relações corruptas. É esse patrimônio que, hoje, decide eleições, dispensando boa parte dos políticos de apresentar propostas aos eleitores para ganhar votos ou mesmo de representá-los de fato no Congresso, uma vez eleitos.
Entrementes, os eleitores são levados a crer que “participação política” é bater boca nas redes sociais, distorcendo os propósitos da política numa democracia. Enquanto o País se distrai com o circo dessa “polarização” artificialmente criada e alimentada por aqueles que dela se beneficiam, perdem-se de vista quais são as reais necessidades do País, deixando confortáveis os que, seja posando de paladinos da liberdade de expressão, seja apresentando-se como intérpretes dos pobres, vivem de rapinar os dinheiros públicos.
Mas o Congresso, infelizmente, não é um raio em céu azul. O Judiciário, como se sabe, insula-se cada vez mais em seu mar de privilégios. Parece muito confortável com os inúmeros penduricalhos que fazem troça do teto salarial do serviço público. Questionados, alguns magistrados reagem indignados, como se o populacho não compreendesse a missão civilizatória que lhes cabe desempenhar.
Antes fosse só pelo dinheiro. Cheios dessa certeza moral, alguns ministros da mais alta Corte do País, por exemplo, consideram-se acima de miudezas como o Regimento Interno ou a Constituição e entregam-se de corpo e alma à tarefa de obrigar o Brasil a converter-se à sua visão de mundo, sem ter um único voto popular para isso. Essa militância desabrida ajudou a fazer do Supremo Tribunal Federal (STF) o principal ator político do País, com poder incomparável sobre as demais instituições. Além de mandar prender e soltar conforme suas conveniências, de instaurar inquéritos infinitos e de tomar decisões monocráticas gravíssimas sem submetê-las ao colegiado, o STF legisla e negocia, como se Parlamento fosse – e denuncia como “ataque à democracia” qualquer tentativa de lhe impor algum limite.
Como estão hoje, Legislativo e Judiciário parecem em guerra aberta entre si pela manutenção de seus espaços de poder. Nesse campo de batalha, estropia-se o Brasil, e não parece haver, num futuro previsível, a possibilidade de uma trégua. Onde estão os líderes capazes de desarmar esse estado de ânimo? Por ora, não se vê ninguém à altura desse desafio, mas líderes assim não surgem por abiogênese: é a sociedade que deve produzi-los – e para isso precisa acreditar que, malgrado as aparências, a democracia ainda é o melhor regime político. (Opinião/Jornal O Estado de S. Paulo)