Sexta-feira, 03 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 6 de abril de 2020
No dia 21 de março, os primeiros sintomas do que parecia ser uma gripe forte fizeram com que Giuseppe Guardabascio, 84, ficasse na cama o dia todo. Durante toda a semana seguinte, a família desse agricultor aposentado da pequena Ariano Irpino, cidade de 22 mil habitantes no sul da Itália, lutou para que ele fosse internado devido à suspeita de coronavírus.
O caso ilustra as dificuldades pelas quais passa o país mais atingido pela pandemia no mundo. Uma das netas do agricultor, Ângela, 27, afirma que o avô sempre foi um homem independente.
Tanto que insistia em sair para ir ao mercado ou para encontrar amigos em meio à crise da Covid-19, apesar dos pedidos para que permanecesse em casa, além do confinamento obrigatório em vigor em todo o país.
No dia 8 de março, o premiê Giuseppe Conte anunciou a quarentena para o norte do país, local mais atingido pela epidemia na Itália. Imediatamente, milhares de pessoas que moram na região mas têm origem no sul retornaram.
Foi assim que o coronavírus chegou a Ariano Irpino. Até o momento, ao menos 25 pessoas morreram em decorrência de coronavírus na cidade da família Guardabascio.
Com muitos infectados, faltam leitos e respiradores em Ariano Irpino e em toda a região sul —que embora tenha sido menos atingida, tem infraestrutura mais precária que o rico norte.
Assim, era essa a situação quando Giuseppe começou a sentir aquilo que achava ser uma gripe, que logo piorou. A febre subiu para quase 40º C, o agricultor começou a tossir e chegou a ter alucinações.
Há dias sem poder dormir e temendo um contágio generalizado na casa —na qual moram, além do idoso, um de seus filhos, a nora e duas netas—, a família decidiu ligar para o serviço de emergência.
Do outro lado da linha, uma atendente pergunta qual é a temperatura corporal e como estão a respiração e o apetite de Giuseppe. A partir das respostas, conclui não ser necessário o envio de uma equipe médica à casa.
Recomendou apenas que o Giuseppe se hidratasse, descansasse e mantivesse o máximo de distância de todos.
Naquela noite, as netas se revezaram no cuidado do avô para aliviar o cansaço da mãe, nora de Giuseppe, que tinha ficado com o idoso nas noites anteriores porque seu marido não conseguia lidar com a doença do pai.
O dia seguinte passou sem que Giuseppe tivesse qualquer melhora. Mais uma vez, a família chamou o serviço de emergência, que enviou uma ambulância 30 minutos depois.
Assim como a atendente do telefone, a primeira atitude do médico foi medir a temperatura e a capacidade pulmonar do paciente. Naquele momento, o idoso apresentava 85% de saturação de oxigênio, índice considerado perigoso —em pessoas saudáveis, ele costuma ficar acima de 95%.
Apesar do resultado, o médico disse que nas circunstâncias atuais não seria possível interná-lo. Com a grande quantidade de internações causadas pelo coronavírus, os hospitais italianos ficaram lotados e não há vagas, mesmo para quem está doente. Em Ariano Irpino, só existiam 32 leitos para a crise, sendo apenas 6 com respiradores. Dois dias após o início da pandemia, todos já estavam ocupados. Assim, o médico orientou a família a ir a uma farmácia para comprar um balão de oxigênio, mesmo que nenhum dos moradores jamais tivesse usado um equipamento hospitalar.
O quadro de Giuseppe, no entanto, continuou a piorar, e a família voltou a chamar o serviço de emergência. Era um domingo, 29 de março.
Quando a ambulância enfim chegou, o patriarca da família Guardabascio já praticamente não conseguia respirar. O médico pediu que ele se levantasse e caminhasse pelo quarto por um minuto para saber como estava sua capacidade respiratória, mas ele só conseguiu dar alguns passos.
O aparelho apontou a saturação de oxigênio em 78%. Giuseppe poderia morrer, mas sem ter para onde levá-lo e visivelmente frustrado, o médico se recusou a internar o paciente.
Aumentou então o volume de saída de oxigênio do cilindro que a família comprou no dia anterior e afirmou que, naquele estado, nenhum hospital o aceitaria. A prioridade é de quem está em situação mais grave. Assim, seria melhor que ele estivesse em casa, e não dentro de uma ambulância eventualmente por horas até que algum hospital o recebesse.
O médico também queria que a família assinasse um termo de responsabilidade, segundo o qual todos estariam de acordo com a recomendação. A família se recusou, dando início a uma discussão.
A questão só foi resolvida quando o próprio Giuseppe aceitou assinar o documento.
No dia seguinte, a condição do agricultor piorou ainda mais, e os médicos mais uma vez foram chamados. Desta vez, uma boa notícia. Uma vaga se abriu, e o avô poderia ser internado.
Minutos depois, quando a ambulância chegou ao hospital, a maca que levava Giuseppe esbarra na maca em que estava o corpo de uma freira franciscana de 78 anos. Ela tinha acabado de morrer por causa do coronavírus. Era a vaga dela que o agricultor iria ocupar. As informações são do jornal Folha de S.Paulo.