Domingo, 15 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 1 de outubro de 2021
O ex-presidente da Argentina Mauricio Macri (2015-2019) deverá depor no dia 7 de outubro em um processo referente à suposta espionagem de parentes dos tripulantes do submarino ARA San Juan, que naufragou em 2017 com 44 pessoas a bordo. O juiz federal da cidade de Dolores, Martín Bava, também proibiu Macri, suspeito de ter orquestrado o esquema, de deixar o país.
O ex-presidente, que está nos Estados Unidos desde o último dia 25, soube pela imprensa que terá que testemunhar. Ele ainda não se pronunciou sobre o assunto, mas integrantes da sua aliança Juntos pela Mudança chamaram a decisão judicial de “alarmante” e afirmam se tratar de uma “operação” política da Casa Rosada em resposta à derrota contundente nas eleições primárias do último dia 14.
“O processo tem 150 páginas e nos avisaram cinco dias antes. Há coisas que chamam atenção”, disse Pablo Lanusse, advogado do ex-presidente, enquanto outros conselheiros jurídicos avaliam a possibilidade de anular ou postergar a intimação, já que Macri só deve retornar à Argentina no meio do mês, após uma viagem ao Qatar.
As acusações em questão tiveram início em uma denúncia feita pela interventora na Agência Federal de Inteligência (AFI), Cristina Caamaño, em setembro do ano passado. Além de Macri, o juiz também exige esclarecimentos de Gustavo Arribas e Silvia Majdalani, ex-diretor e ex-vice-diretora da AFI – ambos deram depoimentos durante fases anteriores da investigação, negando qualquer má conduta.
O submarino de fabricação alemã perdeu contato em 15 de novembro de 2017, a 450 km da costa da Patagônia, e 15 dias depois o governo disse que não tinha mais esperanças de encontrar ninguém com vida. Para pressionar o governo a não desistir das buscas, as famílias dos tripulantes acamparam por 52 dias em frente à Casa Rosada, o que levou à contratação de uma empresa americana para rastrear o desaparecimento. Os destroços só seriam encontrados alguns dias após o aniversário de um ano do naufrágio.
Em sua decisão, o juiz afirmou que a responsabilidade pelos fatos investigados não pode ser posta apenas na conta dos agentes da Inteligência ou dos chefes do órgão, pois as ações “decorreram de um interesse político nacional” encabeçado, no final das contas, por Macri:
“Não apenas as autoridades máximas da Agência Federal de Inteligência estavam plenamente cientes das ações ilegais que cometeram em Mar del Plata, mas também as transmitiram ao presidente. É outra evidência que mostra como o então presidente, Mauricio Macri, tinha plena consciência do interesse especial e da fiscalização da Agência Federal de Inteligência direcionada aos parentes dos tripulantes”.
Segundo Bava, parentes dos tripulantes suspeitaram de grampos em seus telefones e comunicaram o então ministro da Defesa, Oscar Aguad, que pediu para que a queixa fosse investigada. As suspeitas, contudo, nunca foram confirmadas porque o procedimento exigia que os familiares entregassem seus telefones ao tribunal, o que se recusaram a fazer.
“Enquanto ocorriam os crimes aqui investigados, o governo reconheceu que havia pelo menos indícios sérios de espionagem contra familiares das vítimas do ARA San Juan”, diz a decisão. “O fato das autoridades máximas da agência não terem tomado medidas para investigar e, se fosse o caso, cessar a espionagem é uma prova clara de que todas as ações foram realizadas em conluio com as autoridades máximas do Executivo nacional.”
Segundo a denúncia original de Caamaño, que deu origem ao processo, a AFI teria encontrado três discos rígidos com registros da espionagem ilegal, com fotos, relatórios de inteligência e vistoria de redes sociais, principalmente no primeiro semestre de 2018. As “tarefas”, ela disse, não haviam sido “ordenadas ou autorizadas” por nenhum magistrado.
Bava diz ainda que Macri, na função de presidente da República, deve responder por ter “ordenado e possibilitado a realização sistemática de tarefas de Inteligência expressamente proibidas pela Lei 25.520”. A legislação proíbe o governo de espionar, armazenar dados ou produzir inteligência sobre pessoas devido a suas opiniões políticas ou filiações sociais, partidárias, sindicais ou comunitárias, por exemplo.
“As ações buscavam influenciar a situação político-institucional do país, especialmente no que diz respeito aos protestos relativos ao naufrágio do submarino”, disse Bava.
As repercussão política em Buenos Aires foi imediata: Patricia Bullrich, correligionária de Macri, defendeu o ex-presidente falando que ele não estava envolvido e não foi processado, considerando sua intimação “surpreendente”. Miguel Ángel Pichetto, candidato a vice do ex-presidente nas eleições de 2019, afirmou que a Justiça está sendo politizada pelo governo após a derrota no pleito do mês passado.
Já a vice-presidente Cristina Kirchner, por sua vez, acusou o Juntos pela Mudança de buscar “garantir a impunidade de Macri”. Ela se referia à aprovação, na quinta, de uma lei que na prática transforma o Tribunal de Buenos Aires em uma corte de apelação das decisões da Justiça Nacional. Segundo a oposição, a medida tem por fim facilitar processos que envolvem a família Macri e a longa guerra judicial em torno das dívidas de sua empresa, a Correo Argentino. As informações são do jornal La Nación.