Terça-feira, 06 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 19 de outubro de 2021
A Justiça tem negado pedidos de prisão fechada para devedores de pensão alimentícia, mesmo com o abrandamento da pandemia da covid-19. As decisões determinam a modalidade domiciliar ou mesmo o adiamento da pena, caso a dívida não seja quitada.
Os juízes levam em consideração normas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) favoráveis à prisão domiciliar e decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A 3ª Turma entendeu que, apesar de o artigo 15 da Lei nº 14.010, de 2020, ter perdido a eficácia – determinava a modalidade domiciliar até 30 de outubro do ano passado –, a pandemia ainda não permite que o devedor de alimentos seja encarcerado.
Neste ano, somente no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) foram proferidas mais de 500 decisões que trataram de revogação de prisão para devedores de pensão alimentícia. Em 2020, foram 945, segundo dados fornecidos ao Valor.
A 9ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, em recente decisão, considerou cabível o cumprimento de prisão em regime domiciliar enquanto durar a pandemia. Em primeiro grau, a Justiça havia determinado o encarceramento do réu, por dívida de aproximadamente R$ 9 mil.
Em seu voto, o relator, desembargador César Peixoto, destaca que, “muito embora esteja previsto no aludido artigo [artigo 15 da Lei nº 14.010] que a prisão civil por dívida alimentícia deve ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar até o dia 30 de outubro de 2020, foi editada a Recomendação 78/2020 [do CNJ], prorrogando a vigência das medidas previstas na recomendação anterior [de prisão domiciliar] pelo prazo de 360 dias”.
Em primeira instância, a juíza Gildete Matos Balieiro, da 2ª Vara de Família e de Órfãos e Sucessões do Gama, no Distrito Federal, negou pedido de prisão movido por uma credora contra um empresário, apesar de ele “ter uma vida financeira diversa da alegada”.
De acordo com a decisão, o réu reside em imóvel com piscina, usa motos de alto valor, aparentando ser de sua propriedade, faz passeios de jet ski, enfim, vive “uma vida confortável”.
De acordo com a advogada Maria Berenice Dias, desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), é no mínimo “surpreendente” a postura da Justiça em prorrogar essas prisões domiciliares, sem ao menos saber se no local que cumprem as penas existe algum risco de contágio.
A advogada lembra que, em tempos normais, esses presos ficam separados dos demais. “Manter a prisão domiciliar, a que todos estamos submetidos [durante o isolamento na pandemia], é uma posição machista da Justiça, em detrimento dos interesses das crianças, que é constitucionalmente consagrado”, diz.
Para a advogada Carolini Cigolini, do escritório que leva seu nome, é complicado generalizar e impedir a prisão civil em todo território nacional. “Quem tem crédito alimentar tem fome e a prisão é uma medida muito efetiva”, afirma.
Ela diz que em algumas cidades gaúchas, por exemplo, já há mais de 90% da população adulta vacinada, o que não justificaria a não decretação de prisão fechada. “Existe o efeito pedagógico da prisão. Muitas vezes, quando o devedor é preso, ele dá um jeito de pagar. Ele pede o dinheiro emprestado, consegue com um parente. É a forma mais efetiva de se conseguir o pagamento”, diz.
Diante da impossibilidade da prisão, alguns credores, segundo a advogada, têm optado por buscar o bloqueio de bens. Ainda existe a opção, acrescenta, da chamada “pensão avoenga” – chamar os avós no processo para quitar a pensão.
Já o advogado Renato Almada, sócio do Chiarottino e Nicoletti Advogados, entende não ser ainda possível o cumprimento de prisão civil. “A situação é complicada e o ideal em direito de família é sempre analisar caso a caso. Mas se por um lado o credor tem o direito de receber seu sagrado crédito, neste momento o encarceramento é temerário por questões sanitárias”, diz.
O juiz, acrescenta o advogado, também pode buscar outras alternativas para forçar o pagamento da pensão. Entre elas, como já determinado por decisão recente, suspender a CNH do devedor que exerce atividade no setor de transportes. As informações são do jornal Valor Econômico.