Sábado, 03 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 7 de junho de 2022
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que os partidos políticos devolvam quase R$ 65,1 milhões aos cofres públicos em função de irregularidades no uso da verba do fundo partidário de 2016, última prestação de contas julgada pela Corte. O valor representa 8,8% dos R$ 737 milhões repassados às legendas naquele ano.
Entre as irregularidades constatadas pelo TSE estão despesas não comprovadas pelas legendas; recebimento de verba de fonte vedada; compras com a verba pública consideradas dispensáveis; além do descumprimento da aplicação de 5% dos recursos do fundo em programas de promoção e difusão da participação política das mulheres.
A última falha, comum em quase todos os partidos, ganhou anistia da Corte em 2019 e 2022, quando os ministros autorizaram a utilização dos 5% não aplicados nas eleições subsequentes. O PL, partido de Jair Bolsonaro, é um deles: não aplicou nenhum real dos R$ 2,3 milhões da verba.
“Parte importante das irregularidades que levam à reprovação de contas dos diretórios nacionais dos partidos políticos tem relação com a falta de democracia intrapartidária: seja no descumprimento do repasse obrigatório de 5% dos recursos públicos recebidos para a promoção da participação feminina na política, seja na ausência de distribuição desses recursos para os diretórios estaduais e municipais”, afirma Gabriela Araujo, advogada e professora de Direito Eleitoral na Escola Paulista de Direito.
Segundo a advogada, no caso dos 5% para as mulheres, ainda há o agravante que o Congresso Nacional já promulgou duas anistias que incentivam a impunidade dos caciques e oligarquias partidárias.
A demora em julgar a utilização dos recursos públicos pelos partidos mostra a dificuldade de punição pela Justiça Eleitoral. A maioria dos partidos disse que ainda está recorrendo da decisão sobre a prestação de contas do fundo partidário de 2016, a prestação mais recente a ser julgada. Enquanto isso, o Congresso tem feito andar projetos que anistiam dívidas partidárias.
Em abril, o Congresso promulgou a Emenda Constitucional que anistia os partidos que não cumpriram nas eleições passadas a reserva de 30% dos recursos para candidaturas femininas, exigência estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal em 2018. Um outro projeto de reforma do código eleitoral, aprovado pela Câmara no ano passado e em tramitação no Senado, concede outras anistias e limita multas aos partidos.
Nenhum partido teve a prestação de contas do fundo partidário de 2016 totalmente aprovada pela Corte até o momento. Apenas quatro — MDB, PCdoB, Republicanos e Novo — tiveram contas “aprovadas com ressalvas”. As demais foram reprovadas. Em pelo menos 11 casos ainda cabe recurso.
Quem lidera a lista de maior devedor é o PROS, com uma dívida de R$ 11,2 milhões. Uma fatia se refere à compra de uma aeronave no valor de R$ 404,1 mil sem apresentação de contrato ou outros documentos. O TSE também questiona o investimento milionário em aquisição de maquinário para parque gráfico. Segundo a Corte, somente com a compra de imóveis — cinco lotes na cidade de Planaltina, em Goiás — foi desembolsado R$ 1,3 milhão.
Ainda foram gastos mais de R$ 500 mil em projetos de arquitetura e construção das instalações. Soma-se, ao final, o valor do maquinário, de R$ 3,9 milhões. Aos ministros, a sigla disse que o investimento possibilitou uma economia de 22% dos gastos com a produção de materiais gráficos, mas não conseguiu comprovar.
Segundo na lista dos devedores, o PT, partido do pré-candidato e ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, precisa devolver R$ 9,5 milhões. A motivação do ressarcimento e desaprovação das contas foi o uso desse valor sem a devida comprovação.
De acordo com o TSE, as despesas pagas com os recursos do Fundo Partidário devem ser acompanhadas de descrição detalhada da atividade contratada e, quando necessário, dos contratos e demais comprovantes. O partido disse que recorreu ao Supremo Tribunal Eleitoral (STF) sob a justificativa que seus argumentos não foram levados em consideração.
O PSDB, que deve ressarcir R$ 4,1 milhões ao erário, teve irregularidades consideradas pela Corte de “gravidade acentuada”. A Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias do Tribunal Superior Eleitoral (ASEPA/TSE) e o Ministério Público Eleitoral (MPE) destacaram a contratação de pilotos de aeronave e o aluguel de bens sem demonstração da vinculação com atividade partidária, além do pagamento de salários “muito superior” aos valores de mercado. Em nota, o partido disse que o TSE reconheceu a redução do valor a ser devolvido, de iniciais R$ 20 milhões para os atuais R$ 4,1 milhões. “O PSDB está apresentando os devidos recursos processuais”, diz a legenda.
A proposta abre brecha para as legendas usarem os recursos públicos de acordo com seus interesses — hoje, os gastos são restritos à atividade partidária. O PL também permite que as siglas contratem empresas privadas de auditoria, retirando a competência da Justiça Eleitoral, que analisaria apenas o relatório produzido pela contratada. Outra mudança é em relação ao valor das multas decorrentes da desaprovação de contas.
No modelo atual, o cálculo é de 20% do valor apontado como irregular, mas se aprovada a nova legislação, haverá um teto de R$ 30 mil. Ainda há uma “licença” para realizar gastos irregulares no valor de até 20% do total recebido e previsão para mudar o prazo da Justiça Eleitoral para a análise da prestação de contas, que cairia de cinco para três anos, sob pena de prescrição.