Sábado, 03 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 20 de setembro de 2019
Uma alteração na Lei Maria da Penha que obriga agressores a ressarcir o SUS (Sistema Único de Saúde) pelo tratamento das vítimas de violência doméstica divide especialistas e mulheres que sobreviveram a tentativas de feminicídio. As informações são do jornal O Globo.
De acordo com o projeto aprovado pelo Congresso e sancionado anteontem pelo presidente Jair Bolsonaro, “aquele que, por ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual ou psicológica e dano moral ou patrimonial a mulher” fica obrigado a “ressarcir todos os danos causados, inclusive ao SUS”. O agressor não precisará ter sido condenado pelo ato — o pagamento ao Estado terá de ser feito mesmo com o processo ainda em curso.
O projeto, que entrará em vigor em 45 dias após sua publicação no Diário Oficial da União — o que ocorreu na quarta-feira —, prevê ainda o ressarcimento aos cofres públicos pelo que for gasto com dispositivos de segurança como tornozeleiras e botão do pânico.
No caso dos tratamentos de saúde, os valores serão calculados a partir da tabela do SUS, e o montante arrecadado deverá ser encaminhado ao Fundo de Saúde do estado ou município responsável pelas unidades que prestarem os serviços.
Uma das autoras da legislação, a deputada federal Mariana Carvalho (PSDB-RO), afirmou à reportagem que o projeto foi motivado pelo “aumento de casos de feminicídio em Rondônia”:
“Se doer no bolso, o agressor pode pensar antes de agir.”
A advogada especializada em direitos das mulheres Marina Ruzzi diz que a alteração é “100% punitivista”, e alerta que o Estado precisa também investir em ações de prevenção e proteção. Esta mudança na lei, na prática, não muda a condição da vítima de forma direta, explica ela.
“É uma medida para tentar constranger o agressor, para que responda pelas consequências de seus crimes perante o Estado e a sociedade. Já existem medidas legais suficientes, que até podemos questionar se estão sendo implementadas ou não, com relação à vítima, que, hoje, pode, por exemplo, pedir indenização na Justiça — pontua.”
Essa é uma medida civil, ou seja, o agressor não será julgado na esfera criminal se não pagar ao Estado, que será quem deverá processá-lo, se for o caso. Como explica a advogada, se o agressor não tiver o dinheiro, “à rigor, não vai pagar”. Ele fica endividado, terá punições civis e não criminais.
O texto ressalta que o ressarcimento previsto com relação aos serviços de saúde e dispositivos de segurança citados “não poderá importar ônus de qualquer natureza ao patrimônio da mulher” e da família dos seus dependentes, nem configurar atenuante ou ensejar possibilidade de substituição da pena aplicada.”
Ruzzi ressalta que o Estado brasileiro é signatário de diversos tratados internacionais que o obrigam a proteger as mulheres, desenvolvendo, por exemplo, políticas públicas de conscientização. Mas isso, diz, não está sendo feito:
“Então, também há uma responsabilidade do Estado (nos casos de violência doméstica). Esse tipo de iniciativa me dá a impressão de que, na mesma medida em que responsabiliza o agressor, de certa forma desresponsabiliza (o Estado) de todas as agressões.”
De acordo com o Planalto, a medida é necessária para que o agressor responda “por seus atos de violência contra a mulher, não só na esfera penal e na criminalização de sua conduta, mas também por meio do ressarcimento aos danos materiais e morais causados pela sua conduta ilícita”.
Já a juíza de direito do Rio de Janeiro Adriana Mello enxerga a nova lei com bons olhos, mas faz ressalvas quanto à sua viabilidade diante de uma população empobrecida.
“O custo da violência é alto para o Estado, então ter essa previsão expressa na Lei Maria da Penha é muito interessante nesse aspecto. O que temos que levar em conta é que grande parte dessas pessoas que necessitam serviços públicos de saúde são pessoas que não têm recursos, obviamente. E os agressores também não. Não vão ter como arcar com os custos, então o Estado vai ter que entrar com uma ação regressiva pra ter o ressarcimento.”