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Ali Klemt “Maternescência”: manual inexistente

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(Foto: Reprodução)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Estava eu aqui escrevendo um texto sobre política, quando olho para o lado e vejo uma menina de shortinho na minha sala. Aquele shortinho bem curtinho, sabe? Do tipo que eu não uso há, pelo menos, duas décadas (tudo isso???).

E foi assim, de repente, não mais que de repente, que eu me vi MÃE DE ADOLESCENTE.

O baque pode ter acontecido num rompante, mas a verdade é que o processo já está em andamento há meses. Porém, como todas as mudanças da vida, esse meu novo status é, sim, assustador. Em casa, não sou a Ali superpoderosa da TV, a mulher de opiniões fortes, a líder de uma comunidade feminina, a quarentona boa pinta. Não. Em casa, sou a “tia”. Ui!

Ser mãe de adolescente é um ato de coragem. Um dia você tem uma criança que te abraça, pede colo e acha graça nas tuas piadas sem graça. No outro, acorda com um ser humano que te olha como se fosse uma intrusa no próprio quarto dele. É nesse instante que você descobre que maternidade não é linear: é feita de ciclos, perdas e conquistas. O colo some, mas surgem as conversas profundas (se eles decidem falar, claro — e aqui, fica uma dica: quando isso acontecer, larga tudo e foca!). A obediência cega desaparece, mas nasce a chance de ver seus filhos testarem limites, formando opiniões. Inclusive contra as suas. E a gente, mãe e pai, aprende a difícil arte de soltar as rédeas sem perder a rédea da vida.

Ah, as rédeas da vida!… E aí você se dá conta de que, a partir desse momento, esse adolescente passa a trilhar a sua própria vida. E ele precisará de rédeas. As suas próprias. Não as suas.

Tenso. Mas fica pior.

O adolescente é, ao mesmo tempo, doce e ácido. Num dia te chama de “melhor mãe do mundo” porque fez a comida preferida, no outro fecha a porta do quarto como se você fosse uma ameaça à democracia doméstica. O silêncio pode durar horas, mas quando a palavra vem, ela vem carregada de verdades que nem sempre estamos prontas para ouvir. É nessa fase que percebemos que não somos donas da razão, muito menos da vida deles. Estamos apenas emprestando asas, torcendo para que saibam voar. E voar de forma segura, penso eu. A meta é: por favor, apenas sobreviva. Sim, porque me agarro à certeza de que o que tinha que ser efetivamente ensinado, já o foi. Será? Não sei, continuo insistindo. Algum ensinamento ainda há de entrar nessa cabeça que só pensa em amigos, futebol e, claro, nas gurias.

Não bastasse a distância emocional, há o drama existencial. Porém, é necessário esclarecer: trata-se de biologia pura. O corpo deles é uma montanha-russa hormonal. A puberdade dispara uma enxurrada de mudanças químicas que alteram humor, sono, pele, apetite e até a forma como eles enxergam o mundo. A instabilidade que tanto nos irrita, na verdade, é a prova viva de que estão se reorganizando por dentro. Estão, literalmente, sendo reprogramados para a vida adulta.

Como lembra o psiquiatra Daniel J. Siegel, “a adolescência não é uma fase de insanidade, mas um período essencial de remodelação cerebral, em que os jovens aprendem a se afastar dos pais para encontrar a própria identidade.”

E é justamente nesse atrito que eles se diferenciam de nós e encontram a própria identidade. A rebeldia, por mais desgastante que seja, é um gesto de independência. E cabe a nós resistir à tentação de controlar, para que eles possam, enfim, se encontrar.

Mas para além da biologia, o que dói, de verdade, é o processo inevitável do rompimento. Para que um adolescente descubra quem é, precisa, antes, romper com quem você gostaria que ele fosse. Precisa desafiar, bater de frente, testar seus limites e até parecer ingrato. É dolorido mesmo. Dói no orgulho, dói no coração. Você relembra, constantemente, daquelas mãozinhas fofas que te buscavam como porto seguro. Você revê vídeos e chora, copiosamente, a partida do seu bebê. Porque, sim, é uma perda. Mas desde quando você achou que ele seria seu para sempre? Quanto egoísmo!… (contém ironia).

Sempre digo que um dos segredos da vida é celebrar a beleza de cada fase vivida. Porque cada fase é descoberta — afinal, eu nunca tive 46 anos antes. Não, ao menos, nessa existência. Não tive nora circulando em casa. Ainda. Não passei pelo processo de “ficar com o coração na mão” a cada vez que ele deixa casa — mas sorrindo, plena, porque, afinal, é sobre deixar ir.

E, sim, nós mesmos nos pegamos desabrochando para uma nova fase. Nós viramos exploradores, mas também guias. Já passamos por isso, só que de outro jeito. Queremos ajudar, mas sabemos que o verdadeiro aprendizado vem da experiência. Dos erros. Das perdas. Dos acertos. Das paixões. E a nossa grande descoberta é que criar adolescentes não é mais sobre ensinar, mas sobre aprender. Aprender a escutar sem interromper. A orientar sem impor. A confiar, mesmo com o coração apertado. Eles testam os nossos limites de paciência, mas também revelam nossa capacidade infinita de amar sem manual, de improvisar no palco da vida sem ensaio prévio.

O mais incrível, porém, é que, apesar de todas as tretas, existe um encanto: ver nossos filhos se transformando em pessoas únicas, com identidade própria, senso crítico, valores e sonhos. É dolorido admitir que já não somos o centro do universo deles, mas é libertador perceber que estamos ajudando a formar cidadãos do mundo.

No fim das contas, ser mãe de adolescente é aceitar a contradição: sentir saudade da criança que já foi e, ao mesmo tempo, vibrar pela pessoa incrível que está surgindo. É estar pronta para ser chamada de chata, antiquada, exagerada — e, ainda assim, continuar sendo o porto seguro para quando a tempestade passar.

Porque, afinal, a maternidade na adolescência dos filhos não é sobre controlar. É sobre confiar. Não é sobre segurar. É sobre deixar ir. É sobre descobrir, a cada dia, que eles crescem. Mas sabe qual é a boa notícia? É , acredite, a gente cresce também.

Dizem que uma das formas mais eficazes de ser feliz é aprender a deixar ir. Mal sabem os estudiosos a dor, mas também o orgulho, de uma mãe que se desprende do filho.

Ali Klemt

@ali.klemt

 

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

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