Domingo, 04 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 17 de julho de 2017
Um professor universitário e engenheiro de 59 anos seguia para o trabalho no dia 12 de julho quando foi atacado por bandidos numa das vias mais movimentadas do Rio. Acelerou, foi perseguido por sete quilômetros e atingido por um tiro no tórax, ao dar uma fechada para tentar escapar da perseguição. Ferido, dirigiu por mais dez quilômetros até encontrar um posto médico na via Dutra. No mesmo dia, um homem de 32 anos foi baleado com seis tiros (dois no abdômen, um no tórax, um na mão direita, um na perna direita e outro na lombar) no início da tarde, vítima de uma disputa entre traficantes e milicianos num dos bairros mais violentos da Baixada Fluminense.
Com destinos diferentes (um sobreviveu praticamente sem sequelas físicas enquanto o outro morreu logo após uma cirurgia de duas horas), os dois fazem parte de um triste retrato da escalada da violência no Rio. Ambos foram atendidos na lotada “sala vermelha” (para pacientes em estado grave) do Hospital da Posse, em Nova Iguaçu, uma das poucas emergências da Baixada Fluminense e que enfrenta uma disparada de vítimas.
Só no primeiro semestre de 2017, a unidade registrou um aumento de 60,8% de baleados em relação ao mesmo período do ano anterior. De janeiro até o dia 16 de julho, 393 pessoas foram internadas no hospital alvejadas por tiros.
Segundo dados do ISP (Instituto de Segurança Pública), ligado ao governo estadual, a Baixada Fluminense registrou um aumento de 30,6% no índice de letalidade violenta (de 810 casos para 1.058) nos cinco primeiros meses de 2017 –ante igual período do ano passado.
O índice soma registros de homicídio doloso, latrocínio (roubo seguido de morte), lesão corporal seguida de morte e homicídio por oposição a intervenção policial.
Pressão
Os médicos do Hospital da Posse sentem a pressão provocada pelo crescente número de baleados na região. Por dia, 25 médicos trabalham na emergência. Nos finais de semana, a equipe cresce para 30 profissionais. Com 12 anos na unidade, Gustavo Siciliano, 44 anos, já chegou a fazer sete cirurgias num plantão de 24 horas. “Vim trabalhar aqui por causa disso. Gosto dessa correria. Você acaba ficando acostumado.”
Chefe de um dos plantões do hospital, Amanda Fonseca, 36 anos, não esconde o desconforto com o aumento do número de baleados na região. “Às vezes, são muitos baleados de uma só vez. Você acaba ficando impressionada”, afirma Amanda, que comprou um carro blindado para “se sentir mais protegida”. Outros profissionais da unidade fizeram o mesmo. A médica interrompeu a entrevista para atender um rapaz de 19 anos com traumatismo craniano. Ele caiu na estação de trem quando caminhava com a namorada para se divertir num shopping. “As lesões graves em quedas aparentemente fáceis são mais frequentes do que se pode imaginar”, acrescenta.
Com mais de duas décadas de experiência em emergências de hospitais públicos do Rio, o cirurgião Marcelo Soares, 49 anos, diz que já perdeu a conta de criminosos cuja vida ajudou a salvar. “Aqui não fazemos diferenciação entre os pacientes. Quem está no estado mais grave é sempre nossa prioridade. Não importa se é criminoso”, afirmou Soares, que já sofreu com a violência da cidade.
Em 1991, ele foi baleado num assalto na Barra da Tijuca, uma das áreas nobres do Rio. Ele acredita que foi confundido com um militar por ter um adesivo da Marinha estampado no vidro do carro. A bala entrou perto da sua axila e saiu do outro lado na região do abdômen. Dois anos depois, o médico foi chamado às pressas para operar o seu pai, que fora baleado num assalto.
Nessas décadas de plantão, Soares acredita que já viu quase de tudo. Ele disse que presenciou a invasão de um hospital por traficantes, que mataram o rival após a sua equipe acabar de operá-lo. Na Baixada Fluminense, o Hospital da Posse é um dos poucos públicos que atendem casos de alta complexidade. Por isso, a unidade de 430 leitos está sempre lotada. De acordo com os diretores do hospital, 40% dos baleados são da cidade. O restante vem de regiões vizinhas.