Sexta-feira, 06 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 8 de dezembro de 2019
Tudo começou com as taxas de segurança. Depois, vieram os sinais piratas de TV por assinatura, o transporte ilegal de passageiros em vans e o monopólio no comércio de botijões de gás. Agora, as milícias partem para uma nova fonte de lucro: os “gatos” de luz. Em Belford Roxo, por exemplo, a Light descobriu que paramilitares instalaram uma rede de energia em um condomínio construído de forma irregular, cujos imóveis foram colocados à venda por R$ 120 mil. Tamanho desafio às leis é apenas um dos casos que demonstram como, no crime organizado do Estado do Rio, a busca por mais dinheiro nunca para.
Denúncias de empresas e moradores, também relatadas pelo Ministério Público (MP-RJ), apontam que milicianos vêm praticando furtos de energia sobretudo na Baixada Fluminense e na Zona Oeste. A “taxa de consumo” é incluída no aluguel de seus empreendimentos imobiliários ou mesmo imposta a toda uma região. A Light, que distribui eletricidade na capital, na Baixada e no Vale do Paraíba, calcula que deixa de arrecadar R$ 800 milhões por ano em áreas nas quais a violência, seja da milícia ou do tráfico, a impede de entrar. Nessas regiões, 73% da energia distribuída é furtada, contra um índice de aproximadamente 10% nas demais áreas (na média geral, o desvio chega a 17%).
Nas áreas dominadas por traficantes, diz Dalmer de Souza, diretor comercial da empresa, eventualmente é possível obter “autorização” para realizar determinados serviços, inclusive cortar “gatos”, dependendo da comunidade. Com os milicianos, frisa ele, não há conversa:
— Com milicianos não se consegue acordo. Aquilo ali ( os furtos de energia ) é lucro certo para eles. Nessas áreas, só se vende uma marca de cerveja ou de gás. É tudo loteado, e o criminoso recebe uma mensalidade por isso. Em comunidades em que a energia não é o negócio dos milicianos, até conseguimos ir. Em outras, não. Em Curicica, por exemplo, nós não entramos ou, quando vamos, eles marcam ( com pintura nos postes ) onde não podemos mexer.
Dalmer lembra que na Favela Eternit, em Guadalupe, sob a tutela de uma milícia, o presidente de uma associação de moradores chegou a ser preso, acusado de receber R$ 30 mensais por cada “gato” de energia. No condomínio irregular de Belford Roxo, ele relata que paramilitares construíram dezenas de casas, e as ligações clandestinas de luz foram feitas com cabos roubados da própria Light.
— Não importa o consumo, o valor da conta de luz é fixo, R$ 50 — afirmou na semana passada um homem que atendeu no número de telefone anunciado numa placa de apartamento para alugar.
Achaque toda sexta-feira
Situações parecidas foram relatadas à Justiça pelo MP-RJ. Numa denúncia do começo do ano, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) descreveu a atuação dos milicianos nas comunidades de Rio das Pedras, Muzema (onde dois prédios desabaram em abril) e arredores. Promotores indicaram que um grupo acusado de agiotagem e homicídios recorria a ligações clandestinas de água e energia para abastecer seus imóveis construídos ilegalmente. Numa conversa telefônica interceptada com autorização da Justiça, um miliciano informava que o aluguel de um apartamento custava R$ 1.300. No pacote, explicava ele, “não paga luz, não paga condomínio, não paga água, não paga nada”.
Investigações mostraram ainda que, onde havia relógios de medição, criminosos os registravam com nomes de “laranjas”. Além disso, o relatório do Gaeco cita uma denúncia segundo a qual “os envolvidos recolhem taxas referentes a gatonet (R$ 50), internet (R$ 60), gás (R$ 90) e ‘gato’ de luz (R$ 100)”, sempre às sextas-feiras.