Sexta-feira, 18 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 17 de julho de 2025
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli fez o impensável até para quem eventualmente já havia se acostumado com seu fervor farisaico para arrancar a Operação Lava-Jato dos anais da história nacional. Na terça-feira passada, o sr. Toffoli anulou todos os atos processuais praticados por integrantes da força-tarefa da Lava-Jato e pelo então juiz Sergio Moro contra o notório doleiro Alberto Youssef. Já seria gravíssimo caso estivéssemos tratando apenas de um ministro do STF que orgulhosamente debocha do Brasil decente. Mas é pior: sozinho, o que é outro problema, o sr. Toffoli emporcalhou a história republicana do Supremo e, como se isso não bastasse, degradou ainda mais a confiança dos brasileiros no sistema de Justiça deste país.
A fundamentação de Toffoli para livrar a cara de Youssef, um criminoso confesso condenado a mais de 120 anos de prisão, foi a mesma empregada em outros processos envolvendo a nata da corrupção apanhada pela Lava Jato que, desgraçadamente, foram parar no seu gabinete: o tal “conluio” entre a força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba (PR) e Moro. Para chegar a essa conclusão, Toffoli baseou-se nas investigações da Operação Spoofing, que apurou a captura ilegal de conversas entre procuradores da República por um aplicativo de mensagens.
“Sob objetivos aparentemente corretos e necessários, mas sem respeito à verdade factual, magistrado e procuradores de Curitiba desrespeitaram o devido processo legal, agiram com parcialidade e fora de sua esfera de competência” contra o doleiro, escreveu Toffoli em sua decisão. O ministro apegou-se a uma suspeita, fruto de um ato criminoso (o hackeamento de mensagens dos integrantes da Lava Jato), para jogar no lixo um robusto conjunto probatório fornecido às autoridades, pasme o leitor, pelo próprio condenado. Ao firmar seu acordo de colaboração premiada – acordo este, convém lembrar, homologado pelo próprio STF –, Youssef forneceu evidências materiais de que lavava dinheiro de empreiteiras contratadas pela Petrobras que era usado para pagar propina a próceres do PT, PP e MDB.
Se estamos no campo do rigor processual, para começar, Dias Toffoli deveria se declarar impedido de julgar quaisquer dos processos de revisão da Lava Jato. Afinal, ele foi identificado por outro criminoso confesso, Marcelo Odebrecht, como sendo “o amigo do amigo de meu pai”, uma referência, respectivamente, a Toffoli, a Lula da Silva e a Emílio Odebrecht. Ademais, não há pureza processual quando se ignora a origem ilegal do material usado por Toffoli para destruir a Operação Lava Jato e livrar todos os seus condenados, inclusive os que confessaram os crimes e devolveram o dinheiro roubado.
Sabe-se que o MPF e a Justiça Federal cometeram erros na condução da maior operação de combate à corrupção de que o País já teve notícia. Este jornal não cansou de apontá-los nesta mesma página. O que Dias Toffoli tem feito, porém, não é corrigir erros mantendo íntegras a defesa do melhor interesse público, a responsabilização daqueles que confessaram uma pletora de crimes em troca de benefícios penais e a credibilidade do STF. O sr. Toffoli está empenhado em escarnecer do próprio ideal de justiça e do dever do Estado em provê-la aos cidadãos.
Com uma caneta solitária e uma retórica para lá de falaciosa, o ministro Dias Toffoli transformou o STF, sob o beneplácito de seus pares, numa vergonhosa ermida para os que se beneficiam desse revisionismo no qual criminosos confessos se veem reabilitados à custa da desmoralização do sistema de Justiça. Ao se valer de provas que em qualquer circunstância deveriam ser consideradas nulas para reverter condenações que decorreram de extensas investigações policiais, foram homologadas por diversas instâncias e ratificadas pelo mesmo Supremo do qual ele faz parte, o sr. Toffoli incorre numa contradição inaceitável e corrosiva para o Poder Judiciário. O prejuízo para o País é imenso. (Opinião/Jornal O Estado de S. Paulo)