Quinta-feira, 01 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 19 de abril de 2025
O Código Civil brasileiro, em vigor desde 2002, deve passar por sua maior reformulação em mais de duas décadas. Um anteprojeto de lei apresentado por uma comissão de juristas e encaminhado ao Senado este mês propõe mudanças em aspectos da vida que vão do nascimento à morte. As propostas, no entanto, dividem opiniões. No caso da paternidade e herança, por exemplo, enquanto parte dos especialistas defende a atualização como necessária e oportuna, outros criticam pontos do texto e alertam para riscos de retrocessos.
O anteprojeto propôs a alteração ou a revogação de 897 artigos, quase metade dos 2.063 que compõem os direitos dos cidadãos em vigor, e o acréscimo de mais de 200 dispositivos. Segundo juristas, algumas inovações foram necessárias por conta das transformações sociais e tecnológicas desde a última versão.
O reconhecimento de paternidade está entre os maiores embates decorrentes do novo texto, que prevê que o homem indicado pela mãe como pai de uma criança registre o filho ou realize exame de DNA. Caso o suposto genitor se recuse ou se omita, o oficial do cartório deverá incluir seu nome no registro, encaminhando a ele cópia da certidão da criança.
O anteprojeto não estabelece um prazo fixo para a manifestação paterna e só prevê judicialização do caso quando o homem não for localizado. De acordo com o texto, “a qualquer tempo, o pai poderá buscar a exclusão do seu nome do registro, mediante a prova da ausência do vínculo genético ou socioafetivo”.
A proposta do Código Civil inverte, assim, o ônus da prova. Atualmente, cabe à mãe buscar a Justiça para provar a paternidade e confirmar que o homem apontado por ela realmente é o pai de seu filho.
Dados da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil) apontam que, dos mais de 25 milhões de nascimentos registrados entre 2016 e 2025, em quase 1,4 milhão não há o nome do pai na certidão. Entre esses casos, apenas 18% tiveram, posteriormente, a paternidade reconhecida.
O Brasil também acumula pedidos de investigação de paternidade nos tribunais. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indicam que, desde 2020, o país teve mais de 493 mil novos processos abertos. O pico aconteceu em 2023, quando quase 106 mil brasileiros reivindicaram esse direito.
A assistente social Carla Patrícia dos Santos, de 53 anos, conta que sua filha, hoje com 36, é uma das brasileiras que não têm o nome do pai na certidão de nascimento. Ela viveu na adolescência o dilema de ser abandonada grávida pelo seu então namorado, que sequer conheceu a menina.
“Eu tinha 17 anos, na época, e nunca tinha ouvido falar em testes de DNA. Na minha cabeça de jovem, o mais importante seria o interesse de um pai por uma filha. Como ele não tinha, eu pensava que não precisaria acrescentar o nome dele na certidão”, recorda.
Patrícia enxerga com bons olhos a possível mudança no reconhecimento da paternidade:
“Acho que essa iniciativa é excelente, e espero que realmente funcione, pois vai desresponsabilizar nós, mulheres, desse fardo de ter que estar correndo atrás do pai e dizendo: ‘Vamos lá cumprir com a sua responsabilidade’”, opina.
Para a advogada Elena Gomes, professora de Direito Civil na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a mudança na lei é “perigosa”, por eliminar inicialmente a intermediação da Justiça no processo de produção de provas da paternidade. Desse modo, consequentemente, o suposto genitor seria obrigado a assumir todos os deveres enquanto pai, incluindo o pagamento de pensão alimentícia, ainda que não o seja. Gomes avalia que o texto poderia abrir brechas tendenciosas por parte da mãe.
“Não é que a recusa a se submeter ao teste de DNA não tenha valor, mas esse valor tem que ser apreciado em conjunto com os outros elementos de comprovação, e não algo feito extrajudicialmente, sem rigor e sem critério. Em um caso extremo, por exemplo, uma mãe pode dizer que o Papa Francisco é pai de seu filho. Ele, provavelmente, não vai nem responder à intimação e, assim, pode ser posto como genitor”, explica.
Por outro lado, o presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), Rodrigo Pereira, acredita que a atualização no Código Civil seria um avanço importante, pois pode acelerar o processo de reconhecimento de paternidade e reduzir o número de registros sem filiação completa.
“A mudança proposta garante o exercício pleno da cidadania, com direito a pleitear alimentos, convivência familiar, inclusão em plano de saúde e direitos sucessórios. Tal providência impede que mães aguardem meses ou anos o reconhecimento de um vínculo paterno-filial, frequentemente negado por mágoa, desconsideração ou capricho”, pontua.
Hoje, segundo o CNJ, a Justiça leva cerca de 2 anos e 4 meses para realizar o primeiro julgamento de um caso de investigação paterna. As informações são do jornal O Globo.