Segunda-feira, 29 de dezembro de 2025
Por Redação O Sul | 14 de junho de 2020
Distante dos holofotes e do debate público mais estridente, uma legião de cientistas e agentes de saúde do país vem buscando alternativas de terapia para os doentes com Covid-19, num esforço que vai muito além da cloroquina. Embora só no Brasil estejam em andamento mais de 400 pesquisas, em meio à urgência da pandemia, o desenvolvimento de novos medicamentos é considerado sempre uma tarefa dispendiosa e demorada.
Por isso, boa parte dos estudos dedica-se à verificação da ação de medicamentos já existentes na guerra contra a doença. “Essa estratégia vale-se de conhecimento consolidado sobre a segurança e farmacocinética de medicamentos já aprovados para uso humano, evitando muitos dos complexos testes pré-clínicos”, disse Kleber Franchini, diretor do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), vinculado ao Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (Cnpem).
Desde o início da pandemia, o Cnpem dedica-se à investigação de moléculas que sejam candidatas a combater a infecção pelo coronavírus, por meio de técnicas que misturam biologia computacional e inteligência artificial. A capa de proteína que protege as moléculas de um vírus pode ser comparada a uma fechadura cujo acesso depende de chaves específicas. Essa chave, ou pequena molécula, é a substância específica que se busca em todo o mundo, na expectativa de neutralizar a ação do vírus e impedir sua reprodução. A partir de informações sobre a constituição genética do sars-CoV-2, os pesquisadores do Cnpem testaram 2 mil moléculas de bancos de dados públicos para verificar qual delas funcionaria como “chave” ideal.
A primeira filtragem resultou em 12 fármacos. Pela necessidade de baixo custo e poucos efeitos colaterais, um novo filtro resultou em seis substâncias. Testes in vitro — isto é, em laboratório, antes do uso em animais ou humanos — apontaram duas substâncias que tiveram bom desempenho. Uma foi escolhida para o teste em pacientes. “A nitazoxanida (mais conhecida como Annita) foi um composto que se destacou nos ensaios, reduzindo significativamente a carga viral em testes laboratoriais”, contou Franchini. Ele compartilhou dados com a RedeVírus MCTIC, vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, que vem viabilizando testes com o medicamento em pacientes com sintomas leves ou graves de sete hospitais espalhados pelo país. Ainda não há resultado final para os experimentos.
Outro medicamento relativamente barato e que também vem sendo usado no tratamento da Covid-19 é a heparina, um dos medicamentos anticoagulantes mais prescritos no mundo, apresentado como resposta aos distúrbios de coagulação sanguínea que estariam na base dos sintomas mais graves da doença, como a insuficiência respiratória e a fibrose pulmonar. Estudos realizados na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) a partir de autópsias de pessoas que morreram em decorrência da doença já vinham apontando a existência de focos hemorrágicos na rede de pequenos vasos do pulmão, associados à presença de microtrombos — pequenos coágulos formados pela agregação de plaquetas.
A cloroquina — droga erroneamente festejada como uma espécie de cura pelo presidente Jair Bolsonaro — já vinha sendo estudada e havia mostrado ação eficiente, in vitro, de inibição de outros vírus, como zika e a chikungunya. Ainda não havia sido testada, com eficácia, em humanos. Na China, terra dos primeiros casos do novo coronavírus no final do ano passado, os estudos iniciais com a substância apontaram a necessidade de dose altamente concentrada para se obter mínimo efeito antiviral.
O último boletim da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) aponta a aprovação, de março até a primeira semana de junho, de 402 protocolos de pesquisa científica relacionados ao novo coronavírus, dos quais 85 são ensaios clínicos — isto é, investigações sobre o uso de medicamentos e terapias alternativas de combate à doença. São quase 35 mil pacientes observados hoje por representantes de 36 instituições de todo o país — como hospitais, centros de pesquisa e afins.