Terça-feira, 30 de setembro de 2025
Por Redação O Sul | 7 de agosto de 2025
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem a oportunidade e os meios para, se quiser, promover uma mais que bem-vinda correção de rumos em meio à enorme tensão institucional que se instalou no Brasil. O que está em jogo é muito mais importante do que a sorte do réu Jair Bolsonaro. Trata-se da própria imagem da Corte e de sua legitimidade para se afirmar aos olhos da sociedade brasileira como a guardiã maior do Estado Democrático de Direito no País.
Inegavelmente, há decisões do ministro Alexandre de Moraes que atingem Bolsonaro e alguns de seus apoiadores que são flagrantes abusos, em tudo incompatíveis com a ordem constitucional vigente. Com espantosa facilidade, considerando que o Brasil é um país democrático, passou-se a cassar a palavra de cidadãos, restringir a liberdade de imprensa e punir o mero exercício da crítica em nome de uma alegada “defesa da democracia”.
Diante de alguns excessos de Moraes na condução dos inquéritos sem fim envolvendo bolsonaristas e do julgamento da tentativa de golpe, o STF deve ao País – e à sua própria história republicana – uma urgente inflexão ao leito da normalidade jurídico-institucional. Isso não significa, por óbvio, condescender com o mais grave atentado à democracia na Nova República nem muito menos ceder à chantagem dos que, entre o Brasil e o clã Bolsonaro, escolheram cerrar fileiras ao lado desses traidores. Contudo, é do colegiado do Supremo, seja por meio da Primeira Turma – da qual Moraes faz parte –, seja por meio do plenário, a missão de promover esse ajuste fino.
Muito ao contrário do que alguns possam pensar, essa tão ansiada correção – ou “modulação”, para usar o jargão da Corte – de medidas extravagantes tomadas por Moraes atestaria a força institucional do Supremo, e não sua fraqueza. Fortaleceria sua autoridade. Engrandeceria a mais alta instância do Judiciário pátrio. Ademais, se assim proceder, o STF sinalizaria à sociedade que não tem compromisso com o erro, e sim com o bom Direito.
A força institucional de um tribunal colegiado não está na obstinação individual de seus membros, muito menos na recalcitrância. Está na corajosa disposição coletiva de revisar medidas que, ao fim e ao cabo, desvelam-se incompatíveis com o Estado de Direito. Reconhecer abusos e remediá-los a tempo engrandeceria a instituição, reafirmaria seu compromisso com a legalidade e mostraria aos cidadãos que o Supremo não se curva às conveniências políticas, às emoções de momento ou às veleidades pessoais de alguns de seus integrantes.
Não se trata aqui, deveria ser ocioso dizer, de deslegitimar a resposta judicial à tentativa de golpe de Estado que teria sido liderada por Bolsonaro e aos infames ataques do 8 de Janeiro. Os fatos são o que são e estão vastamente documentados. O julgamento dos envolvidos na sedição não apenas é legítimo, como fundamental para a higidez da democracia no Brasil. A força das instituições republicanas, sobretudo do STF, foi colocada à prova pelo bolsonarismo e mostrou vigor – robustecida, em grande parte, pela atuação firme da STF no momento certo. Isso não se discute, como este jornal já sublinhou um sem-número de vezes. O problema começa quando, em nome da “defesa da democracia”, admite-se qualquer coisa, tolera-se a relativização de direitos e garantias individuais a depender do sujeito desses direitos e garantias.
A escalada da violência e do golpismo promovida por deputados e senadores ligados ao bolsonarismo é evidente. A ocupação das Mesas do Congresso para sequestrar a agenda legislativa em nome de barganhas espúrias e inaceitáveis, como a anistia aos golpistas, é reprovável sob todos os aspectos. Mas os abusos dos liberticidas não justificam os abusos de quem serve à lei. A firmeza na genuína defesa da democracia não pode se converter em pretexto para práticas que afrontam justamente os princípios democráticos que se pretende proteger.
O Brasil vive um momento de grande tensão institucional. O Supremo certamente está à altura do papel que a Constituição lhe conferiu. É exatamente por isso que tem o dever de agir com rigor diante de ataques antidemocráticos, mas também com humildade diante de seus próprios erros. (Opinião/Jornal O Estado de S. Paulo)