Terça-feira, 28 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 17 de junho de 2019
O pai oferecia R$ 250 por mês para ajudar na criação do filho de três anos. Dizia que estava desempregado, fazia bicos como modelo e barman, e não tinha condições de pagar mais. No Instagram, a vida do rapaz era bem diferente: ano novo na badalada praia de Jurerê Internacional (SC) com dez dias de festa em camarote, viagens de avião para visitar a namorada, joias para ela, dermatologistas caríssimos, tudo lindamente registrado com um iPhone de última geração. Na rede social, ele também divulgava seus trabalhos, inclusive para uma marca de cosméticos no horário nobre da TV.
Tudo isso virou um dossiê com mais de 20 páginas no qual a ex-mulher mostra que o estilo de vida do rapaz não é compatível com o que ele alega ter à Justiça. A Promotoria já deu um parecer: ele deve pagar, no mínimo, um salário mínimo (R$ 998) de pensão alimentícia.
“Eu nunca pedi dinheiro a ele nos seis anos que estivemos juntos ou separados. Tudo sempre ficou nas minhas costas. Ficava dois meses sem ver nem perguntar pelo menino. Mas quando meu filho teve que fazer uma cirurgia, eu fui passar um tempo na casa da minha mãe para ter ajuda. Aí descobri que ele estava pedindo a guarda e pensão. Isso para mim foi a gota d’água. Tentou tirar meu filho de mim, um filho que ele nunca cuidou! Eu não tenho mais dó, agora é o que a Justiça determinar”, diz Luciana, ex-mulher do modelo.
Não há nada que leve mais ex-casais à Justiça do que a pensão alimentícia. Com o crescimento de trabalhadores no mercado informal, juízes consideravam pais sem emprego fixo como desempregados, dificultando a vida de muitas mães, que precisam arcar com as despesas da criança praticamente sozinhas. Mas, e quando mesmo sem carteira assinada ele tem, sim, condições de pagar mais? A Teoria da Aparência é uma ferramenta jurídica que está sendo cada vez mais aceita, na qual se comprova que a pessoa vive gastando mais do que declara e deve, portanto, arcar com as despesas da criação dos filhos.
De acordo com a advogada especialista em Direito de Família Flavia Aguilhar, na maioria dos casos em que o pai trabalha com carteira assinada, o juiz define que 30% dos rendimentos sejam destinados aos filhos. Não há uma regra que estabeleça isso, mas é a praxe.
Quando o pai trabalha com CLT e tem emprego fixo, é fácil. A dificuldade aumenta no caso dessa gama cada vez maior de pessoas fora do mercado de trabalho formal, que não têm uma renda única e fixa.
“Por muito tempo, os juízes aplicavam o mesmo entendimento que era usado para os desempregados, pedindo de meio a um salário mínimo. É a triste realidade que uma imensa maioria de mães enfrenta: ter que se virar. O pagador de pensão fica numa posição cômoda. Eu mesma já fui procurada por um homem que queria pedir a revisão da pensão porque estava descontando 30% do salário. E ele me disse: ‘se não tiver jeito, já falei com meu patrão para me mandar embora e pagar por fora.’ É difícil de engolir”, afirma Flávia, que, obviamente, não pegou o caso.
É aí que entra a Teoria da Aparência.
“Eles sempre dizem que não têm dinheiro, alegam muita dificuldade econômica, em que pese uma ou outra vez seja verdade. Por isso buscamos evidências de que a pobreza alegada não condiz com a vida que ele leva. Já vi pai dizendo que ganhava R$ 1.000, mas viajava para o exterior, tinha carro do ano, dava presentes caros e morava num bairro privilegiado. Levamos a realidade ao juiz.”
Conseguir fazer esse levantamento não depende apenas das redes sociais: o carro que usa, celular, apartamento em que mora, viagens e presentes, tudo pode ser indicativo. Se o juiz não considerar as provas suficientes, mas vir indícios da real capacidade financeira desse pai, pode pedir a quebra de sigilo bancário e fiscal.
“A Teoria da Aparência não é uma coisa nova. O Judiciário é conservador e, se isso fosse invocado há dez anos, o meio salário mínimo seria mantido. Mas, agora, a teoria está cada vez mais presente e os juízes estão aceitando. Temos muitas decisões de casos concretos.”
A lei determina que a pensão alimentícia seja decretada de acordo com o binômio necessidade x possibilidade. E o pagador é quem não mora com os filhos, já que quem cuida no dia a dia já arca com aluguel, condomínio, água, eletricidade, internet, TV a cabo, alimentação… Além de todos os extras que sempre surgem com crianças.