Sábado, 25 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 4 de outubro de 2020
Trinta anos depois de Helmut Kohl assinar a reunificação da Alemanha, a chanceler Angela Merkel, que tem uma foto do antecessor pendurada na parede do gabinete, testemunha um novo tipo de união: a de eleitores que rejeitam o populismo da extrema direita e se inclinam para o centro, onde, no espectro político, está a União Democrata Cristã (CDU), o partido da chanceler.
A quase dois meses de completar 15 anos à frente da maior economia da Europa, Merkel passou o último terço dos quatro mandatos enfrentando críticas por ter dado abrigo a mais de um milhão de refugiados no país em 2015, a maioria do Oriente Médio e África. Mas, segundo pesquisadores, o que parecia um pesadelo se transformou em benefício político.
Graças à integração de uma multidão de imigrantes ao mercado de trabalho alemão e à boa gestão da pandemia da Covid-19, Merkel, que parecia ofuscada pela oposição acirrada da ultradireita, agora surge com potencial de, no ano que vem, eleger um sucessor de seu partido.
Criado em 2013, o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) angariou eleitores com o discurso anti-imigração e, dois anos depois, elegeu a terceira maior bancada do Parlamento. A popularidade de Merkel despencou. Agora, ocorre o movimento inverso. Segundo o instituto de pesquisas Infratest Dimap, de Berlim, as intenções de voto na AfD encolheram de 18% em setembro de 2018 para 10% neste mês, enquanto a CDU passou de 28% para 36%.
Em 2015, a frase da chanceler em referência à crise dos refugiados — “Wir schaffen das” (“Nós vamos cuidar disso”) – agravou as críticas. Os opositores aproveitaram para espalhar que a afirmação incentivaria milhares de imigrantes a ocupar o país, a violência aumentaria e atentados terroristas ocorreriam em cada esquina. Não foi bem assim.
Nos últimos cinco anos, a população de refugiados, boa parte vinda de países em guerra, aumentou 157%, de 700 mil para 1,8 milhão, segundo dados oficiais – mas, ao contrário do que pregava a oposição de direita, 55% dos que chegaram em 2015 e permaneceram por cinco anos na Alemanha estão empregados e pagam impostos.
Com a integração em boa marcha, o tema anti-imigração é cada vez mais raro nos discursos de políticos da extrema direita. Para o cientista político Wolfgang Merkel, diretor do Centro de Ciências Sociais de Berlim (WZB), contribuiu para isso a redução no fluxo de refugiados na Alemanha: de 1 milhão por ano, em 2015 e 2016, passou para 200 mil nos anos seguintes.
Um dos pontos de virada na popularidade de Angela Merkel e dos partidos de centro também foi a gestão bem-sucedida da pandemia do coronavírus, o que inclui a reação rápida para evitar a propagação da doença e a concordância da Alemanha em contribuir com o fundo europeu criado para amenizar os impactos do vírus na economia, uma virada em relação à posição de Berlim em 2008.
Não foi diferente com a chanceler alemã. Entre os louros que colhe, está um estudo divulgado no início de setembro, feito em parceria entre o WZB e a fundação Bertelsmann, e que tem Wolfgang Merkel entre os autores. A pesquisa indicou eleitores mais resistentes a apelos populistas. Os pesquisadores consideraram populismo “uma ideia particular de democracia definida pela distinção entre o ‘povo verdadeiro’ e as ‘elites corruptas’, a noção de uma vontade comum do povo e a ideia de que a sociedade é homogênea”. A partir da definição, a pesquisa determinou três comportamentos para medir atitudes populistas: “antiestablishment, pró-soberania popular e antipluralismo”.
O número de eleitores que mostraram atitudes populistas diminuiu 36% entre novembro de 2018 e junho deste ano, caindo de 32,8% para 20,9% dos entrevistados. Por outro lado, os eleitores considerados não populistas aumentaram em 50% no mesmo período, principalmente entre os eleitores de centro.
Não só os eleitores, mas também os partidos se tornaram menos populistas. Segundo a pesquisa, a CDU e o Partido Democrático Liberal (FDP) acabaram desistindo da estratégia de imitar a AfD para angariar os votos da ultradireita. Depois de se alinhar à AfD nas eleições no estado da Turíngia, o FDP viu sua rejeição aumentar em um terço.