Domingo, 23 de novembro de 2025
Por Redação O Sul | 6 de julho de 2018
A teoria dos jogos é constantemente emprestada da matemática para explicar por que a delação premiada funciona. A imagem preferida é a do “dilema do prisioneiro”: duas pessoas da mesma quadrilha são presas e interrogadas separadamente. De repente, têm de escolher entre ficar caladas e continuar impunes ou delatar os comparsas e conseguir benefícios como o perdão. Mas a impunidade só existe se ninguém falar, e o prêmio só será dado ao primeiro que delatar. Pois os dilemas dos prisioneiros da Operação Lava-Jato são outros. Pelo menos de acordo com a versão do ex-agente da PF (Polícia Federal) Newton Ishii, mais conhecido como “Japonês da Federal”.
No livro “O Carcereiro”, do jornalista Luís Humberto Carrijo, editado pela Rocco e que será lançado neste sábado (7), Ishii conta algumas das estratégias que levaram executivos, doleiros e diretores da Petrobras a assinar os acordos de delação que deram sustentação à Lava-Jato.
Embora Ishii seja aparentemente um personagem menor da Lava-Jato, o livro narra bastidores que indicam coisa diferente. Agente da PF durante mais de 20 anos, ele ficou famoso por conduzir os presos de suas casas aos carros da corporação, ou dos veículos à carceragem. Mas também era o chefe da carceragem e tinha contato diário com os presos, que o consideram uma pessoa agradável, humana. E nada disso passou despercebido pelas celebridades da operação.
“Com o talento para induzir pessoas a pensarem que chegaram por conta própria a uma conclusão sugerida, o agente poderia ser um instrumento valioso. Não foram poucas as vezes que os jovens delegados, de barba cerrada e cara de mau, recorreram a ele”, segundo a versão contada no livro.
O primeiro dilema descrito por Ishii entre os presos da operação é o do medo. Os presos ficam num setor separado da carceragem da PF em Curitiba, justamente para que não compartilhem da presença de presos comuns, por questões de segurança. Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil, e o lobista Fernando Baiano, operador do PMDB, são apontados como dois casos que optaram por falar para se proteger de um medo descrito como irracional pelo Japonês.
Palocci chegou a pedir a Ishii indicação de pessoas que pudessem fazer a segurança de suas famílias, e Baiano mais de uma vez mencionou ter medo de ser assassinado, segundo o ex-agente. Ao que o Japonês explicava que a delação poderia ser um seguro de vida: “Se você fala, não existe mais motivo para alguém te eliminar, porque o segredo que poderia prejudicar alguém já foi revelado”.
Baiano ficou preso por quase um ano, entre 2014 e 2015. Depois que contou ter sido o responsável por repassar US$ 5 milhões ao ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) em 2011 e ter entregado R$ 2 milhões à campanha de Dilma Rousseff à presidência em 2010, foi solto. Em agosto de 2015, foi condenado a 16 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro.
Palocci ainda está preso, mas só recentemente sua delação, negociada diretamente com a Polícia Federal, foi homologada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi condenado a 12 anos de prisão por corrupção passiva, em novembro de 2017.
Saudade
Fator determinante para que suspeitos tenham se tornado réus confessos e dispensado investigadores de investigar foi a saudade que sentem da família enquanto estão no cárcere.
“Newton conta que a predisposição dos presos em colaborar foi desenhada nas primeiras visitas dos familiares”, narra o livro. Alguns chegaram a consultá-lo sobre a prudência ou conveniência de delatar, ao que Ishii respondia: “Bom, você tem que ver o lado da família, né? Os filhos, a esposa. Aí a decisão é tua”.