Sexta-feira, 24 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 4 de outubro de 2020
O Ministério da Saúde admitiu que a portaria editada em agosto deste ano e que criou obstáculos para realização da interrupção da gravidez em caso de estupro foi criada após pressão de entidades antiaborto. Documentos divulgados pelo ministério mostram que a pressão aumentou após a repercussão do caso da menina de 10 anos de idade que engravidou após estupro e que teve de deixar o Espírito Santo para ser submetida a um aborto legalizado.
No dia 28 de agosto, o Ministério da Saúde publicou a portaria nº 2.282 que criou novas regras para realização da interrupção da gestação de mulheres, adolescentes e crianças vítimas de estupro. A portaria previa que os médicos que atendessem vítimas de estupro que quisessem realizar o aborto eram obrigados a comunicar os casos às autoridades policiais. A portaria também obrigava a equipe médica a perguntar se a vítima gostaria de ver imagens do feto ou embrião pelo ultrassom antes do procedimento.
Entidades em defesa dos direitos da mulher afirmam que as mudanças poderiam afastar mulheres vítimas desse tipo de violência da busca pelo aborto legalizado.
Partidos ingressaram com uma ação contra a portaria no Supremo Tribunal Federal (STF). Em meio à repercussão negativa, o governo editou uma nova portaria, mantendo a obrigatoriedade da comunicação do estupro às autoridades policiais, mas retirando a necessidade de perguntar à vítima se ela gostaria de ver o feto antes do aborto.
A admissão de que o ministério editou a portaria de agosto após pressão de entidades antiaborto foi feita pelo órgão ao responder um pedido feito via Lei de Acesso a Informação (LAI).
“”[…] quanto a justificativa e a fundamentação para a edição da referida norma, cabe esclarecer que o Ministério da Saúde foi provocado por meio de diversos ofícios da Defensoria Pública da União e de entidades da sociedade civil, em que recomendavam a revogação da Portaria”, disse o ministério.
A portaria mencionada na resposta é a nº 1.508 vigente desde 2005. A portaria previa que as vítimas de estupro não precisavam registrar boletim de ocorrência.
O órgão divulgou, também, os ofícios e documentos que, segundo ele, embasaram a criação da portaria. O material mostra que a pressão para que o governo revogasse a portaria foi feita por duas entidades: Instituto de Defesa da Vida e da Família (IDVF) e Associação Virgem de Guadalupe. As duas são conhecidas como entidades antiaborto.
A pressão foi iniciada em janeiro de 2019, quando a Associação Virgem de Guadalupe, representada pela Defensoria Pública da União (DPU), pediu ao ministério que revogasse a portaria nº 1.508. A Ao longo de 2020, a DPU insistiu três vezes para que o ministério revogasse a norma, sem sucesso. Ao pedir apoio da DPU para lhe representar no caso, a presidente da Associação Virgem de Guadalupe, Mariângela Consoli, em e-mail, que a necessidade para revogação da portaria era “urgente” para evitar fraudes e “salvar vidas humanas”. “A revogação desta norma se faz urgente pois evitará fraudes em relação à comunicação de estupros e consequentemente salvará vidas”, diz um trecho do e-mail anexado aos documentos que foram encaminhados ao Ministério da Saúde.
Em abril deste ano, o Departamento de Ações Estratégicas (Dapes) do Ministério da Saúde disse que a demanda pela revogação deveria ser encaminhada ao Conselho Nacional de Saúde (CNS), vinculado ao ministério e responsável por receber demandas da sociedade civil em matéria de saúde pública.
“Embora todos canais de comunicação sejam válidos, é recomendável que manifestações dessa natureza tenham como destino o Conselho Nacional de Saúde, órgão pareado com o Ministério da Saúde (MS), responsável pela representação coletiva da participação da comunidade junto à União”, disse o então diretor do órgão Maximiliano das Chagas em ofício assinado no dia 8 de abril.