Domingo, 26 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 9 de março de 2020
Na primeira epidemia global da era da hiperconectividade, a informação se alastra com mais rapidez do que o novo coronavírus. Misturadas às notícias verdadeiras s bombardeando a população mundial todo o tempo, surgem também as “fake news” ou, neste caso, “fake science” – informações falsas, algumas com alegada (e inexistente) base científica. Em um mês e meio, um grupo especializado em fake news do Ministério da Saúde analisou mais de 8 mil mensagens sobre a doença que circulam nas redes sociais – e a maioria é falsa.
“Não estamos lutando só contra uma epidemia. Combatemos também uma infodemia”, diagnosticou este mês o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, em conferência na Alemanha.
As redes sociais estão na origem do fenômeno. Em 2003, no surto da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars, na sigla em inglês), não havia nenhuma das mais importantes redes sociais de hoje. Em 2009, na última grande epidemia global, a da gripe H1N1, elas ainda iniciavam a expansão global. O Facebook tinha 500 milhões de usuários, ante 2,3 bilhões agora. O Twitter tinha menos de 100 milhões de usuários e hoje tem mais de 300 milhões. O WhatsApp foi criado naquele ano – e hoje tem 2,2 bilhões de usuários.
Logo após declarar o Covid-19 “emergência de saúde pública internacional”,Ghebreyesus criou um grupo especial dentro da OMS para lidar com a epidemia de informação e fake news. “Sabemos que toda epidemia é acompanhada de um tsunami de informação e, junto, vêm desinformação e rumores. Isso acontece desde a Idade Média”, disse a diretora do Programa de Emergências em Saúde da OMS, Sylvie Briand, responsável por conter a infodemia. “A diferença, com as redes sociais, é que o fenômeno é amplificado; viaja mais rápido e mais longe, como os vírus que acompanham as pessoas.”
O aplicativo americano NewsGuard, que avalia o grau de credibilidade de notícias veiculadas em mais de quatro mil sites (96% do engajamento online), atesta: pelo menos um em cada dez deles compartilha fake news de saúde. O app criou um monitor para acompanhar especificamente notícias sobre o vírus. Já identificou 93 sites que publicaram informações erradas ou falsas nos Estados Unidos, Reino Unido, Itália, Alemanha e França.
O problema é grave, porque as publicações desses sites são muito mais compartilhadas do que as das páginas que veiculam informações corretas. O Mind Unleashed conseguiu o engajamento de 14,9 milhões de usuários com a divulgação de uma notícia falsa. Segundo essa narrativa, o coronavírus teria sido criado pelos chineses, em um laboratório da cidade de Wuhan, como arma biológica. A mesma teoria conspiratória foi repetida por outros sites em diferentes países. No mesmo período, o site da OMS sobre o Covid-19 teve só 25 mil engajamentos.
No Brasil, o serviço criado pelo Ministério da Saúde para avaliar fake news incentiva a população a tirar suas dúvidas diretamente com as autoridades. O número de telefone para envio do material suspeito é (61) 9 9289-4640. Entre 22 de janeiro e 5 de março, foram recebidas e analisadas nove mil mensagens – 90% delas sobre o novo coronavírus. Após confirmar o primeiro caso no Brasil, “as mensagens aumentaram significativamente”, informou a pasta, em nota. Só entre 28 de fevereiro e 1º de março, o canal recebeu 4 mil mensagens – 85% falsas.
Entre elas, a teoria conspiratória sobre o vírus criado em laboratório, a vinda do coronavírus ao Brasil por produtos importados da China e o chá de abacate (e até o uísque) para prevenir a infecção. O resultado é o pânico e uma corrida por máscaras. Elas, aliás, devem ser usadas apenas por pacientes.
“Toda nova epidemia mobiliza emoções, especialmente por conta do medo do desconhecido”, diz Igor Sacramento, pesquisador do Laboratório de Comunicação e Saúde da Fiocruz, que tem monitorado as notícias falsas sobre o coronavírus. “Mas esse pânico desmedido não tem lastro na realidade.”
Sendo um vírus novo, para o qual ninguém tem ainda imunidade, é natural que a OMS e as autoridades acompanhem sua disseminação. Mas, segundo os especialistas, o Covid-19 gera uma doença parecida com um resfriado comum – na grande maioria dos casos.
Só uma minoria dos pacientes desenvolve sintomas mais graves. A taxa de letalidade da doença é de 3,4%, segundo a OMS, muito abaixo da Sars (de 10%) ou da Mers, outro tipo de coronavírus (que chega a 35%). “A maior parte das pessoas vai ficar curada; só algumas vão desenvolver forma mais grave de infecção”, diz o virologista Benedito Lopes da Fonseca, da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto.