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Por Redação O Sul | 22 de abril de 2018
Há 28 anos no STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Celso de Mello é o decano da Corte não apenas no quesito cronológico. Com uma memória invejável, ele se lembra de tudo como se tivesse acontecido ontem: votos de ex-ministros proferidos há 50 anos, fatos de governos brasileiros desde o império e passagens decisivas da história da humanidade. Em uma Corte cada dia mais dividida, Celso é a única unanimidade.
Nos próximos dias, quando a Segunda Turma começar a julgar processos da Operação Lava-Jato, o decano vai ganhar os holofotes. Como revisor das ações penais, ele votará depois do relator, Edson Fachin. Será de Celso a tarefa de vasculhar as provas e votar de forma mais minuciosa do que os demais colegas. O primeiro réu a ter o veredito da Corte será o deputado Nelson Meurer (PP-PR).
Celso de Mello costuma elaborar votos longos e cheios de citações históricas. Para agilizar o trabalho, tomou uma providência inédita desde que assumiu a cadeira no STF: convocou um juiz para ajudá-lo nas questões penais. Os outros ministros têm ao menos três juízes nos gabinetes. A exceção é Marco Aurélio Mello, que ainda resiste ao auxílio.
“O ministro Fachin está com três ou quatro juízes. Eu pensei: puxa, o desequilíbrio é grande. E são processos muito volumosos”, explica.
Na vida pessoal, Celso de Mello teve um revés. Ele sente dores fortes, “24 por 7″, em suas palavras, provocadas por um problema no quadril. Anda de bengala. No primeiro dia de funcionamento do STF este ano, usou uma cadeira de rodas para ir do carro até o plenário. Os médicos dizem que ele precisa ser submetido a cirurgia, mas o paciente adia a solução.
Dono de hábitos peculiares, o decano, aos 72 anos, não ajuda a medicina. Logo depois de acordar, toma a primeira xícara de café forte — ao longo de um dia, ele costuma sorver litros e litros do líquido. Não come nada. Às vezes, Cármen Lúcia envia quibes ao gabinete do colega. Ao fim do dia de trabalho — que costuma se prolongar para além de 1h da madrugada — ele passa de carro oficial no drive thru do McDonald’s e come um sanduíche. Depois, vai para o apartamento funcional que habita sozinho.
“Gosto de trabalhar. A minha jornada é de 14 horas por dia. Eu durmo três horas só, não mais. Sou movido a cafeína”, conta. “Sempre fui assim, mas piorou quando eu vim para o Supremo.”
Antes de ser ministro do STF, Celso foi promotor do Ministério Público de São Paulo e acabou fichado no SNI (Serviço Nacional de Informações) por dois episódios. Como promotor, elaborou um parecer para licenciar uma diretoria estudantil que o regime militar considerava subversiva. A segunda menção no SNI foi por um discurso na inauguração do Fórum de Osasco, em São Paulo. Diante de cerca de 500 pessoas, disse duras palavras contra o Ato Institucional nº 5.
No último dia 4 de abril, quando o STF julgou o habeas corpus preventivo do ex-presidente Lula, o decano voltou a se insurgir, no plenário, contra os militares. Ele rebateu a declaração do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, de repúdio à impunidade, feita pouco antes. De acordo com o decano, “intervenções castrenses”tendem a causar “danos irreversíveis ao sistema democrático”.
Se a fala recente de Celso não rendeu nenhuma represália das autoridades, a manifestação feita na ditadura estacionou a carreira dele no Ministério Público por alguns anos. Cabia ao governador — na época, Paulo Maluf — autorizar as promoções de promotores. Aprovado em primeiro lugar no concurso, Celso de Mello sempre era promovido por merecimento. Depois do discurso, a realidade mudou.
“Eu me declaro suspeito em todos os casos do Maluf, porque eu não quero que qualquer decisão minha contra ele possa ser considerada como um ato de represália”, explica.
A tradição foi interrompida na última quinta-feira (19). Celso não deixou de julgar em plenário o recurso apresentado por Maluf para ter direito a um novo julgamento no STF. O ministro se alinhou com a maioria e negou o recurso ao parlamentar.