Domingo, 12 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 5 de novembro de 2018
O STF (Supremo Tribunal Federal) resiste à retórica da campanha ao Planalto do presidente eleito no que diz respeito ao endurecimento da legislação penal.
Dois dias após o primeiro turno da eleição presidencial, em entrevista à rádio Jovem Pan, o então presidenciável Jair Bolsonaro anunciou: “Vamos entupir a cadeia de bandidos. Está ruim? É só não fazer besteira. Eu prefiro a cadeia cheia de bandidos que o cemitério cheio de inocentes”.
A intenção do presidente tromba com uma decisão de fevereiro de 2017, quando a Corte decidiu, por sete votos a três, que o poder público tem a obrigação de indenizar presos em estabelecimentos superlotados. Nesse mesmo julgamento, os ministros declararam o “estado de coisas inconstitucional” dos presídios brasileiros, pelas condições precárias em que os detentos vivem.
Esse é apenas um exemplo da discrepância do discurso de endurecimento penal de Bolsonaro e decisões tomadas nos últimos anos pelo STF. Segundo o jornal O Globo, ministros da Corte disseram que não mudarão a jurisprudência com o novo governo.
Segundo um ministro do STF, o endurecimento penal defendido pelo presidente eleito vai encontrar uma barreira no Supremo porque a superlotação dos presídios não permite uma política de encarceramento maciço. Dessa posição, segundo esse ministro, o Supremo não irá recuar.
Diante de decisões do Palácio do Planalto ou do Congresso que entrem em choque com o entendimento já fixado pelo tribunal, caberá à oposição, ou à PGR (Procuradoria-Geral da República), ajuizar ação na Corte para tentar reverter a medida. No julgamento, a posição tomada antes do governo Bolsonaro deve ser mantida pelo plenário.
Em fevereiro deste ano, o presidente eleito disse à Jovem Pan que não seria necessário criar mais vagas em presídios: “Quem falou que não tem vaga? Bota um em cima do outro”. A declaração vai contra outro entendimento do STF. Em 2015, a Corte decidiu que juízes do País podem determinar que o poder público faça reformas em presídios para garantir mais vagas, além da integridade física e moral dos detentos. Segundo ponderou outro ministro da Corte, Bolsonaro pode até tomar iniciativas para endurecer a lei penal, mas precisará criar mais vagas para viabilizá-las.
“Tem que acabar com isso”
Em junho, durante uma sabatina do jornal “Correio Braziliense”, Bolsonaro defendeu o fim das audiências de custódia, em que um preso, até 24 horas após a prisão, é levado à presença de um juiz. O objetivo é verificar se houve maus tratos ao preso. A medida também serve para avaliar se o suspeito precisa ficar detido, ou se pode responder ao processo em liberdade. As audiências de custódia contribuem para evitar a superlotação das cadeias e a prática de abusos por policiais.
“Eu acho que a chance de alguém que pratica um furto ficar detido é zero com a audiência de custódia. Tem de acabar com isso. E não vem com essa historinha ‘ah, os presídios são cheios e não recuperam ninguém’. É problema de quem cometeu o crime”, disse Bolsonaro.
Em setembro de 2015, o STF decidiu que os juízes e tribunais de todo o país realizem as audiências de custódia até 24 horas após a prisão. No julgamento, os ministros afirmaram que a prisão provisória deveria ser eventual, e não uma regra. Eles alertaram para o fato de que há pessoas presas por anos sem terem sido condenadas.
Outro foco de potencial conflito entre Bolsonaro e o STF é a progressão de penas. Para o presidente eleito, a regra precisa acabar. Ou seja, por ele, se alguém for preso no regime fechado, não poderá progredir para o regime semiaberto depois de cumprido um sexto da pena, como estabelece a Lei de Execução Penal. O programa de governo de Bolsonaro é explícito: “Prender e deixar preso! Acabar com a progressão de penas e as saídas temporárias!”
Ponto de concordância
Em fevereiro de 2006, por seis votos a cinco, o plenário do STF derrubou um artigo da Lei de Crimes Hediondos que proibia a progressão de regime para quem praticar crimes graves. Embora a decisão tenha sido tomada há 12 anos, a tendência da Corte de hoje, que tem novos integrantes, é manter o entendimento.
Para a maioria do STF, a regra anterior afrontava o princípio da individualização da pena, expresso na Constituição Federal. Segundo a jurisprudência, cabe apenas ao juiz de execução definir se o preso pode ou não ser transferido para um regime mais brando do cumprimento da pena, a depender do comportamento dele.
Há temas penais propostos por Bolsonaro que ainda não foram julgados pelo STF, mas que podem representar choques entre Executivo e Judiciário. Um deles é a redução da maioridade penal de 18 anos para 16 anos. Em caráter reservado, ministros dizem que a tendência é que a proposta seja derrubada em plenário.