Segunda-feira, 02 de junho de 2025
Por Ali Klemt | 1 de junho de 2025
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Vivi recentemente uma experiência daquelas que fazem a gente parar o tempo — ou pelo menos tentar compreendê-lo: meus primos mais velhos completaram 50 anos. Para alguns, um marco melancólico. Para mim, foi quase transcendental. Não pela passagem dos anos em si, mas pela beleza de perceber que estamos todos envelhecendo juntos.
Entre abraços, risos e danças em roda com as mulheres da minha família, senti algo raro e precioso: pertencimento. Vi meus pais — ainda apaixonados — dançarem como se fossem jovens, vi minha tia encher o peito por saber que cumpriu sua missão, vi um primo homenageando o irmão com a dignidade que só o amor genuíno permite. Vi orgulho. Vi legado. Vi raízes se fortalecendo na presença viva do agora.
E, nesse agora, me dei conta: isso não é sorte. É construção. É escolha. É a soma de gestos conscientes daqueles que vieram antes de nós. Meus avós, meus pais, meus tios e tias… a vocês devemos mais do que memórias. Devemos a estrutura invisível que nos sustenta. Porque a família, no fim das contas, é isso: complexa, barulhenta, às vezes bagunçada — mas, ainda assim, o nosso chão e o nosso impulso.
Dividimos a infância. Fomos crianças juntos e, é claro, este momento me jogou na cara a minha própria realidade: também estou envelhecendo. Ou não será essa a única forma de não morrer jovem? E então, vejam a benção: sim, estou envelhecendo! Quanta sorte!
A meia-idade tem esse poder silencioso de nos confrontar com o tempo: não mais o tempo do futuro idealizado, mas o tempo do presente real. É quando nos perguntamos, com honestidade: estou vivendo o que realmente importa? É quando olhamos para os lados e vemos os filhos crescendo, os pais envelhecendo, os amigos recomeçando — e tudo isso nos empurra, gentilmente ou não, para uma readequação de rota.
A psicologia chama de “crise da meia-idade”, mas talvez seja mais justo chamar de oportunidade de reinvenção. É um momento de afinar prioridades, de trocar o piloto automático pela direção consciente. De entender que sucesso não é só o que mostramos, mas aquilo que sustentamos em silêncio — nossos vínculos, nossos valores, nossas verdades.
Chamam de crise, mas talvez devêssemos chamar de privilégio: o privilégio de nos reencontrarmos. De ajustar a rota com mais consciência e menos urgência. De tirar da gaveta sonhos antigos ou, quem sabe, ousar sonhar novos — desta vez, com mais liberdade e menos medo. A meia-idade não é fim de ciclo. É uma curva de aprendizado. É quando deixamos de correr atrás de validação e passamos a buscar significado. É quando começa a emergir a pergunta essencial: “O que, afinal, me faz sentido agora?”
A ciência confirma: essa fase da vida nos convida, sim, à reinvenção. Erik Erikson falava do desejo de contribuir, não apenas de conquistar. Pesquisas de Harvard mostram que, entre os 40 e 50 anos, aqueles que reavaliam suas relações e prioridades vivem com mais propósito e saúde emocional. E a verdade é que, quando aceitamos essa travessia como oportunidade — e não como ameaça —, algo se abre dentro da gente. A pressa dá lugar à presença. E, de repente, percebemos que ainda há tempo. Para mudar, recomeçar, dançar, amar. Para viver com verdade.
Ao chegar aos 40 ou 50 anos, muitos de nós vivemos o que Carl Jung chamou de “metade da vida” — um ponto simbólico em que deixamos de buscar validação externa e começamos a buscar significado interno. Jung dizia que “ninguém pode viver a segunda metade da vida com os mesmos pressupostos da primeira”. E, pensando, bem, graças a Deus! Ou graças a nós mesmos, a cada um de nós: chegou a hora de, finalmente, sermos quem sempre deveríamos ter sido! E que só não fomos antes porque sequer o sabíamos.. Ouvimos muito os outros, mas só o tempo nos permite ouvir a nós mesmos. A neurociência também explica: nessa fase, o cérebro entra em um estágio de maior avaliação de riscos e recompensas emocionais, nos tornando mais sensíveis a decisões de longo prazo, o que favorece mudanças de rumo. Não por acaso, é nessa esquina que muitos, muitos (e eu sou uma dessas pessoas) param para decidir que caminho tomar. Para refletir, de fato, sobre o destino que pretendo encontrar.
Seja lá onde for, porém, há algo de certo: pertencer é essencial. Ter origem é algo muito valioso – daí a razão porque tantas pessoas buscam as suas – é importante conhecer o passado para pisar rumo ao futuro. Importante não é essencial. Você pode ir além, independente de quaisquer circunstâncias externas, isso é certo. Mas ter uma base…uma base sólida, como a raiz de uma árvore que te nutre e te firma ao solo…apesar dos ventos e das tempestades da vida…ah, isso ajuda. Ajuda e, principalmente, faz a vida se tornar mais significativa.
Nosso avô dizia: “Preparem-se para passar o bastão da vida.” E ele estava certo. Foi em festas familiares que vi esse bastão sendo passado com honra. Vi um menino de 15 anos chorar por orgulho do pai. Vi uma mãe de 75 sorrir com a certeza de que valeu a pena. E desejei, do fundo da alma, que meus filhos — e os filhos quem eu amo — possam sentir esse mesmo orgulho.
Que a gente siga juntos, firmes e verdadeiros. Que saibamos envelhecer sem medo. Que possamos recomeçar, ajustar, celebrar. E que a pista de dança da vida nunca fique vazia.
Obrigada, Leandro e Juliana (meus dois primos queridos que completaram meio século de vida nestes últimos dias) por nos jogarem nesse delicioso looping reflexivo da meia-idade. Está sendo transformador.
E se você que está lendo não tiver a sorte que tivemos por nascer em uma família com tanto sustentáculo, eu peço que não desanime. Pelo contrário: encontre forças, vire o jogo e crie a sua. Talvez seja um pouco mais difícil. Mas eu prometo que valerá à pena.
Ali Klemt
@ali.klemt
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.