Sexta-feira, 14 de novembro de 2025
Por Redação O Sul | 23 de abril de 2018
Toda sexta-feira, os alunos de Magali chegam com seus smartphones e dúvidas anotadas num papel. Ela os ensina a abrir conta em rede social, pagar boletos pelo app do banco ou chamar um táxi como complemento às aulas de computação básica que ministra de segunda a quinta numa sala na Mooca (Zona Leste de São Paulo). Sem saber, Magali está também agindo diretamente sobre o cérebro dos alunos. É o que mostram estudos recentes sobre efeitos positivos do uso de tecnologia por idosos na preservação e na ampliação das suas funções cognitivas, como memória, velocidade de resposta e raciocínio.
Mario Miguel, professor do departamento de fisiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, diz que o contato com a informática provoca, inclusive, aumento no hipocampo, área do cérebro fundamental para a cognição e a memória, segundo estudo publicado em 2016.
O pesquisador diz que há duas grandes vertentes hoje em relação ao uso de tecnologia para estimular o cérebro. Uma delas é o de pacotes prontos de aplicativos e softwares para treinar áreas específicas, como cognição, memória episódica, memória operacional, foco e atenção. É um mercado que movimenta US$ 1 bilhão ao ano, nos cálculos da SharpBrain, uma das principais consultorias do setor, e deve se multiplicar por 6 até 2020.
Outra vertente é adicionar a tecnologia no dia a dia, não com softwares específicos, mas com aqueles usados para agilizar e ganhar eficiência no cotidiano. “Isso vai garantir autoestima, independência, engajamento social.” O pesquisador explica que os ganhos se dão pela repetição. Sem uso, a perda de neurônios é mais rápida.
Quando o uso da tecnologia no dia a dia melhora a qualidade de vida, cria-se um ambiente afetivo positivo, aumenta a adesão do idoso às novas práticas e ele mantém suas faculdades cognitivas. Miguel diz que as duas vertentes são complementares, mas que vêm crescendo entre os cientistas a recomendação de inserir a tecnologia no dia a dia. É justamente a proposta da professora Magali Rossini, 52, que há cinco anos dá aulas na Fundação Sérgio Contente para seis turmas e 126 alunos acima de 60 anos — o mais velho já passou dos 90.
As aulas começam do básico: como usar o mouse. Por mais simples que pareça, é outra atividade com muito potencial para estimular o cérebro, diz o professor Miguel. “Hoje em dia já sabemos que há sobreposição total entre os circuitos neurais envolvidos em um ato motor complexo e nas tomadas de decisões”, diz ele.
Toda vez que se aprende um movimento novo, o cérebro melhora sua capacidade em outros aspectos, incluindo o cognitivo. “No curto prazo, só de aumentar o fluxo sanguíneo para a região do cérebro sob demanda já melhora o desempenho cognitivo. No longo prazo, isso gera plasticidade em todas as áreas.”
O acesso à tecnologia e internet ainda é bem menor entre os mais velhos, em comparação com os mais novos, mostra pesquisa sobre hábitos e comportamentos das diferentes faixas etárias, feita pelo Datafolha.
São 72% os brasileiros que têm conta em rede social, índice que vai de 97% entre os com até 24 anos até 32% entre os que têm mais de 60. Mas a fatia mais que dobra quando o idoso é mais rico ou mais escolarizado: 60% e 71%. E, se estão em menor número, os idosos são usuários mais frequentes de tecnologias como os jogos, mostra pesquisa do Instituto Pew, dos EUA: 36% dos gamers com mais de 60 anos jogam todos os dias, a maior assiduidade entre as faixas etárias.
Depois de aprender a usar o mouse e digitar, os alunos de Magali aprendem a navegar na internet e criam seus endereços de email e suas contas em redes sociais. “Parece que voltam a viver novamente, porque encontram amigos do passado, familiares que estão distantes e podem conversar. Eles se renovam 50 anos”, diz ela.