Terça-feira, 29 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 14 de maio de 2019
Sem saber, Magali está também agindo diretamente sobre o cérebro dos alunos. É o que mostram estudos recentes sobre efeitos positivos do uso de tecnologia por idosos na preservação e na ampliação das suas funções cognitivas, como memória, velocidade de resposta e raciocínio.
Mario Miguel, professor do departamento de fisiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, diz que o contato com a informática provoca inclusive aumento no hipocampo, área do cérebro fundamental para a cognição e a memória, segundo estudo publicado em 2016.
O pesquisador diz que há duas grandes vertentes hoje em relação ao uso de tecnologia para estimular o cérebro. Uma delas é o de pacotes prontos de aplicativos e softwares para treinar áreas específicas, como cognição, memória episódica, memória operacional, foco e atenção.
É um mercado que movimenta US$ 1 bilhão ao ano, nos cálculos da SharpBrain, uma das principais consultorias do setor, e deve se multiplicar por 6 até 2020.
Uso cotidiano
Outra vertente é adicionar a tecnologia no dia a dia, não com softwares específicos, mas com aqueles usados para agilizar e ganhar eficiência no cotidiano. “Isso vai garantir autoestima, independência, engajamento social.”
O pesquisador explica que os ganhos se dão pela repetição. Sem uso, a perda de neurônios é mais rápida.
Quando o uso da tecnologia no dia a dia melhora a qualidade de vida, cria-se um ambiente afetivo positivo, aumenta a adesão do idoso às novas práticas e ele mantém suas faculdades cognitivas.
Miguel diz que as duas vertentes são complementares, mas que vêm crescendo entre os cientistas a recomendação de inserir a tecnologia no dia a dia. É justamente a proposta da professora Magali Rossini, 52, que há 5 dá aulas na Fundação Sérgio Contente para 6 turmas e 126 alunos acima de 60 anos —o mais velho já passou dos 90.
As aulas começam do básico: como usar o mouse. Por mais simples que pareça, é outra atividade com muito potencial para estimular o cérebro, diz o professor Miguel.
“Hoje em dia já sabemos que há sobreposição total entre os circuitos neurais envolvidos em um ato motor complexo e nas tomadas de decisões”, diz ele. Toda vez que se aprende um movimento novo, o cérebro melhora sua capacidade em outros aspectos, incluindo o cognitivo.
“No curto prazo, só de aumentar o fluxo sanguíneo para a região do cérebro sob demanda já melhora o desempenho cognitivo. No longo prazo, isso gera plasticidade em todas as áreas.”
O acesso a tecnologia e internet ainda é bem menor entre os mais velhos, em comparação com os mais novos, mostra pesquisa sobre hábitos e comportamentos das diferentes faixas etárias, feita pelo Datafolha.
São 72% os brasileiros que possuem conta em rede social, porcentagem que vai de 97% entre os com até 24 anos até 32% entre os 60+. Mas a fatia mais que dobra quando o idoso é mais rico ou mais escolarizado: 60% e 71%.
E, se estão em menor número, os idosos são usuários mais frequentes de tecnologias como os jogos, mostra pesquisa do Instituto Pew, dos EUA: 36% dos gamers com mais de 60 anos joga todos os dias, a maior assiduidade entre as faixas etárias.
Depois de aprender a usar o mouse e digitar, os alunos de Magali aprendem a navegar na internet, criam seus endereços de e-mail e suas contas em redes sociais.
“Parece que voltam a viver novamente, porque encontram amigos do passado, familiares que estão à distância e podem conversar. Eles se renovam 50 anos”, diz ela.
A questão importante agora, segundo Miguel, é descobrir se há transferência dos ganhos obtidos com o uso da tecnologia também no longo prazo. “Se um velhinho fica craque no sudoku, por exemplo, será que isso melhora também sua capacidade em outras áreas?”, exemplifica o professor da UFRN.
Atualização
Nem só por diversão os idosos procuram tecnologia: alguns querem aproveitá-la no trabalho, já que ainda têm planos profissionais.
É o caso do químico Antonio Gomes, 77, que, depois de se aposentar, abriu uma produtora de vídeo, ainda no tempo do VHS. Trabalhou na área durante 15 anos. “Sou muito perfeccionista, e acabava não lucrando quase nada.”
O advento da tecnologia digital, porém, fez voltar sua curiosidade pelas filmagens. “Quero aprender a fazer vídeos com o celular e colocar no Youtube”, diz ele, que faz aulas na Fundação Sérgio Contente.
Aposentado há quase dez anos, o projetista de elétrica José Lourival Barreiro, 69, faz três cursos simultaneamente: informática básica, no Instituto Porto Seguro, programação e técnicas para engenharia eletrônica.
Antes disso, já cursou informática na Uati (Universidade Aberta à Terceira Idade), da USP. “Quero ficar atualizado. Ainda não decidi parar de trabalhar. Só não estou empregado agora porque está essa crise no País.”
Coordenador da Uati, o médico Egídio Dórea diz que o interesse por cursos de informática é crescente. O programa, que tem 4 mil vagas, recebe pessoas de todas as classes sociais, com predominância da classe B.