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Por Redação O Sul | 14 de outubro de 2018
Em quatro anos, o PT perdeu 10 milhões de votos nas cidades brasileiras onde a renda familiar média da população está entre R$ 2 mil e R$ 8,6 mil — a classe C, na classificação elaborada pela FGV (Fundação Getulio Vargas). Esse grupo de 3.294 municípios brasileiros que não estão nem no topo nem na base da pirâmide social deu a Dilma Rousseff (PT), no primeiro turno de 2014, 27,3 milhões de votos, contra 26,1 milhões de Aécio Neves (PSDB). No dia 7 de outubro de 2018, Fernando Haddad (PT) teve apenas 17,4 milhões de votos, contra 38,6 milhões de Jair Bolsonaro — se a eleição se desse apenas nas cidades “classe C”, o candidato do PSL venceria no primeiro turno, com 51,9% contra 23,4% do presidenciável petista.
São números que dão concretude ao que é sugerido por cientistas políticos e apontado nas pesquisas de intenção de votos: se ainda predomina no eleitorado mais pobre e é largamente derrotado na elite, o PT viu sua base política decair fundamentalmente por ter perdido o apoio nesse estrato.
Essas conclusões fazem parte da atualização, a pedido do jornal O Globo da tese de doutorado em ciência política da pesquisadora Priscila Lapa, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Em 2016, ela publicou o trabalho “Como votou a classe C nas eleições de 2014”, que buscou mapear em quem votou o eleitor de cada classe social — como o voto é secreto, não há como saber a renda de quem digita os números na urna.
A especialista criou um modelo estatístico que alia ao fator principal da renda familiar outras variáveis como índice de Gini, IDH e escolaridade média nos 5.565 municípios brasileiros para chegar à lista de 3.294 cidades onde está concentrada essa maior parcela do eleitorado.
A partir daí, foi feito o cruzamento com os dados da votação publicados pelo TSE, que oferece os números por município. Foram 72,6 milhões de votos válidos desse grupo no primeiro turno de 2014 e 74,5 milhões agora. Esse montante representa 69,6% dos votos válidos totais, que somam 107 milhões.
“Não queríamos trabalhar com intenção de votos, que é onde se pode saber a renda de cada eleitor entrevistado, mas com o resultado da votação, muito mais preciso. Foi uma resposta muito satisfatória no sentido de mostrar como a classe C votou”, disse a pesquisadora ao Globo.
Priscila analisa que a população da classe C vem se conectando mais à eleição. “O debate eleitoral no Brasil sempre foi muito marcado pelas classes mais altas, informadas e de maior influência nas diretrizes políticas e econômicas, e pelas classes mais baixas, que são receptoras imediatas dos programas de governo. A classe C ficava esmagada. Com as redes sociais, a insatisfação pela crise econômica e casos de corrupção, entre outros motivos, essas pessoas puxaram a tomada de decisão para si. Em 2018, o PT não conseguiu dialogar com esse eleitorado.”
O economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social e ex-presidente do Ipea, avalia que o fenômeno eleitoral está relacionado à reversão de ganhos dessa parcela da população. Ele destaca que, entre 2003 e 2014, 52 milhões de brasileiros ingressaram na classe C. O contingente passou de cerca de 66 milhões para 103 milhões. Nesse mesmo período, a renda do cidadão mediano cresceu 95%.
A partir de 2014, os efeitos da recessão, que apareciam aos poucos nos dados oficiais, começaram a surgir no dia a dia da população. A renda do brasileiro mediano caiu 10,95%, e o número de pessoas na classe C encolheu pela primeira vez, de 118 milhões, em 2014, para 116 milhões, em 2015, os últimos dados disponíveis.
Baixada Fluminense
A Baixada Fluminense é um exemplo dessa guinada da classe C. Lar de quase 2,7 milhões eleitores, a região sempre foi estratégica para as vitórias petistas.
Em 2014, Dilma Rousseff venceu Aécio Neves nos dois turnos. No segundo, obteve 67% dos votos válidos, abrindo uma vantagem de mais de 600 mil votos. A mudança política experimentada pela Baixada tem pouco a ver com motivações ideológicas. O desencanto com a classe política e a disparada nos índices de violência são os argumentos citados pelos eleitores da região para explicar a migração para Bolsonaro.
Com a maior taxa de homicídios do Brasil, o município de Queimados, na Baixada Fluminense, é um exemplo da mudança: 59% escolheram Bolsonaro, contra 18% que votaram em Haddad.
A sensação de piora na qualidade de vida é geral: a crise provocou o aumento do desemprego e da violência. Luiz Claudio da Conceição Torres, 45 anos, vive essa realidade de perto. Morador de Queimados, ele está desempregado desde dezembro. Para ele, o combate à violência é a principal proposta de Bolsonaro.
A cidade registrou, em 2016, 134,9 mortes violentas a cada 100 mil habitantes.
Também desempregado, Danilo Souza da Silva, 30 anos, também mora no bairro de Queimados sitiado pela guerra entre facções rivais. “Eu deixei de votar no PT por tudo isso que aconteceu. Essa crise financeira e todas essas coisas são culpa do PT”, disse.