Segunda-feira, 05 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 21 de março de 2022
Os impactos da guerra entre Rússia e Ucrânia, que respondem por 30% das exportações mundiais de trigo, começam a chegar às prateleiras dos supermercados. Os preços ao consumidor da farinha de trigo, do macarrão, dos biscoitos e até do óleo de soja tiveram forte alta no início do mês, superando de longe reajustes de fevereiro.
Entre 1º e 12 de março, nos supermercados, a farinha de trigo ficou, em média, 4,46% mais cara, o preço do macarrão com ovos subiu 4,24%, o de biscoitos, 2,62% e o do óleo de soja, 5,79%, em comparação com igual período de fevereiro, aponta um levantamento feito pela startup Varejo 360. Especializada em pesquisa de mercado, a empresa coletou os preços desses itens nos tíquetes de compra de 150 mil clientes de supermercados no Estado de São Paulo.
O levantamento mostra que, de 1º a 12 fevereiro, antes da guerra, que começou no dia 24, os preços desses itens tiveram aumentos bem mais moderados ante igual período de janeiro. A farinha de trigo, por exemplo, tinha subido 0,24%, os biscoitos, 1,64%, e o óleo de soja, 1,46%. E o macarrão com até ficou 0,97% mais barato.
“Muito provavelmente os aumentos mais acentuados em março devem ser reflexo da disparada do trigo por causa da guerra”, afirma Fernando Faro, sócio da consultoria e responsável pelo levantamento. Nos últimos 30 dias, até a última quinta-feira, o preço da tonelada de trigo subiu quase 20% no Rio Grande do Sul e beirou R$ 2 mil, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea).
Faro observa que a maior parte dos reajustes de preços feitos pelos varejistas se concentrou no sábado, 12 de março. E sábado geralmente é o dia da semana no qual os supermercados costumam ser mais agressivos nas promoções. Isso pode indicar, segundo ele, que a pressão de custos das matérias-primas pesa mais neste momento do que a estratégia para alavancar as vendas.
Agravamento
Os aumentos são confirmados pelos supermercados. Fábio Queiróz, presidente da Associação de Supermercados do Estado do Rio de Janeiro, conta que pães, biscoitos e todos os derivados de trigo e soja – grão que é um substituto do trigo – estão sendo comprados pelos supermercados com preços mais altos. “O quadro se agravou com o início da guerra.”
Os supermercadistas, conta, brigam por centavos nas negociações com fornecedores para reduzir repasses para o preço ao consumidor. Os aumentos ficarão mais visíveis ao consumidor nesta semana.
Em São Paulo, executivos do setor relataram à Associação Paulista de Supermercados aumentos da farinha de trigo da ordem de 15% na primeira quinzena do mês, com indicações de novos reajustes. No caso do óleo de soja, a majoração do preço teria sido de 20%.
Como disse Thomas L. Friedman, do The New York Times, na guerra da Ucrânia deve-se esperar o inesperado. Ou seja, além das surpresas já observadas até agora, tais como os erros de avaliação e planejamento militar da Rússia, a heroica resistência ucraniana e a união do Ocidente contra a aventura megalomaníaca de Putin, é praticamente impossível fazer previsões sobre a evolução e como e quando se dará o fim do conflito.
Já se escreveu muito sobre os efeitos nocivos dessa guerra na economia brasileira. Temem-se, com razão, os impactos negativos para o crescimento e para a inflação, principalmente os decorrentes das altas dos preços dos combustíveis, do trigo e dos fertilizantes. Mas fala-se pouco das atenuantes que podem amenizar, se bem que não anular, tal cenário. Vejamos.
Do ponto de vista global, como destacou Paul Krugman (prêmio Nobel de Economia de 2008), tomado a dólares constantes (base janeiro de 2022), o preço internacional do petróleo ainda está muito aquém do alcançado na segunda metade dos anos 1970, do pico histórico de maio de 2008 e até mesmo da média do período 2011-2015. Além disso, a economia mundial hoje é muito menos intensiva em petróleo do que há 40 ou 50 anos, quando o forte aumento das cotações provocou inflação e recessão mundo afora. Para cada mil dólares do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, naquela época consumia-se quase um barril de petróleo. Hoje consome-se cerca de 0,4 barril.
A balança comercial brasileira de petróleo e derivados é significativamente superavitária. Em 2021, o saldo positivo foi de US$ 19 bilhões. Em 2013, quando o preço médio do barril estava em torno US$ 120 (a preços de hoje), essa conta registrou déficit de US$ 13 bilhões. Ou seja, agora a elevação do preço do petróleo tende a melhorar nossos termos de troca (relação entre os preços médios das exportações e das importações).
Tem também passado despercebida a provável migração de parte da demanda por instrumentos de dívida russos para brasileiros. A dívida externa bruta brasileira, pública e privada, independente da moeda em que foi emitida, está em cerca de US$ 630 bilhões e a da Rússia é de aproximadamente US$ 460 bilhões.