Quinta-feira, 30 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 15 de setembro de 2019
Prestes a liberar para julgamento o pedido de suspeição do ex-juiz Sérgio Moro, o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou que a corte não pode se curvar à popularidade do hoje ministro da Justiça para tomar suas decisões.
“Se um tribunal passar a considerar esse fator, ele que tem que fechar”, disse o magistrado em entrevista à Folha e ao UOL.
Crítico ferrenho da Lava-Jato, o ministro afirmou que as mensagens reveladas pelo site The Intercept Brasil e por outros órgãos de imprensa, como a Folha, mostram um “jogo de promiscuidade”.
“O conúbio entre juiz, promotor, delegado, gente de Receita Federal é conúbio espúrio. Isso não se enquadra no nosso modelo de Estado de Direito.”
Sem citar o nome de Moro nem do coordenador da Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, Gilmar disse que o Brasil precisa “encerrar o ciclo dos falsos heróis” e defendeu que a cúpula da força-tarefa assuma que cometeu erros e “saia de cena”.
“Simplesmente dizer: nós erramos, fomos de fato crápulas, cometemos crimes. Queríamos combater o crime, mas cometemos erros crassos, graves, violamos o Estado de Direito.”
Popularidade de Moro
Se um tribunal passar a considerar esse fator, ele que tem que fechar, porque ele perde o seu grau de legitimidade. A população aplaude linchamento. E a nossa missão, qual é? É dizer que o linchamento é legal porque a população aplaude? A volúpia, a irracionalidade leva a desastres.
No caso do juiz, isso é mais grave porque ele tem que aplicar a lei. Do contrário, a nossa missão falece. Se é para sermos assim legitimados, entregamos, na verdade, a função ao Ibope.
O processo penal, em geral, não envolve Madre Teresa de Calcutá. Envolve pessoas que podem ter cometido crimes. Ainda assim, elas têm direitos e esses direitos precisam ser respeitados.
Moro e Deltan Dallagnol
As pessoas percebem que esse promotor não está atuando de maneira devida. Esse juiz não está atuando de maneira devida. Se nós viermos a anular ou não esses julgamentos, o juízo que está se formando é o de que não é assim que a Justiça deve funcionar. Que isso é errado, que essas pessoas estavam usando as funções para outra coisa. Isso ficou cada vez mais evidente.
Supremo sob ataque
O País entrou, de uns tempos para cá, isso não é de agora, num processo de acendrada polarização, no final do primeiro governo Dilma [Rousseff] e no início do segundo governo Dilma.
O tribunal, em geral, ficou isolado. A mídia fez esse tipo de eco. O Supremo foi muito vilipendiado nesse contexto, embora o tribunal tivesse um ativo consigo. Foi o tribunal que condenou os mensaleiros, foi o tribunal que levou a cabo sem produzir diatribes processuais, sem produzir violações. Só mandou prender depois do trânsito em julgado.
Ameaças à democracia
Considerando os nossos antecedentes históricos, devemos sempre ter cuidado. Comemoramos no ano passado 30 anos de normalidade institucional, 30 anos de democracia sob a Constituição de 1988, e acho que devemos prosseguir nesse trabalho de construção e reconstrução institucional.
Temos que fortalecer a democracia. E devemos, de fato, criticar fortemente aqueles que, de alguma forma, por discurso, por prática, a ameaçam. Devemos estar atentos e, a cada sinal, especialmente partindo de pessoas com responsabilidade institucional, devemos criticar ou mesmo reprimir. Clamar pela restauração do regime militar é um crime contra a democracia, contra a segurança nacional.
Lava Jato x democracia
Quando alguma autoridade se investe de um poder incontrastável ou soberano, ela de fato ameaça a democracia. Quando se diz que não se pode contrariar a Lava-Jato, que não se pode contrariar o espírito da Lava Jato — e muitos de vocês na mídia dão um eco a isso —, nós estamos dizendo que há um poder soberano. Onde? Em Curitiba.
Que poder incontrastável é esse? Aprendemos, vendo esse submundo, o que eles faziam: delações submetidas a contingência, ironizavam as pessoas, perseguiram os familiares para obter o resultado em relação ao investigado. Tudo isso que nada tem a ver com o Estado de Direito.