Terça-feira, 09 de dezembro de 2025
Por Redação O Sul | 8 de dezembro de 2025
O objetivo do estudo foi identificar fatores biológicos que aumentam a probabilidade de uma pessoa experimentar a substância ao longo da vida.
Foto: ReproduçãoO debate sobre a Cannabis costuma se dividir entre quem a considera perigosa e quem a enxerga como planta medicinal ou expressão de liberdade. A percepção popular muitas vezes associa o uso ao risco imediato de dependência, mas um estudo recente da revista Neuropsychopharmacology propõe uma leitura mais ampla — que chega ao DNA dos usuários.
A pesquisa “The genetics of Cannabis lifetime use”, conduzida por pesquisadores de Yale, investigou a genética do uso vitalício de Cannabis (CanLU). O objetivo foi identificar fatores biológicos que aumentam a probabilidade de uma pessoa experimentar a substância ao longo da vida, independentemente de desenvolver dependência. O estudo analisou dados de mais de 250 mil pessoas de diversas ancestralidades, configurando um dos maiores levantamentos do gênero.
O principal achado foi a forte associação entre o uso vitalício de Cannabis e o gene CADM2. A variante mais significativa identificada, CADM2*rs7609594, confirma pesquisas anteriores. O CADM2 é conhecido por sua relação com comportamentos exploratórios e impulsividade positiva. Estudos já haviam ligado essa região genética à abertura a novas experiências, maior número de parceiros sexuais e maior propensão a assumir riscos moderados. Em síntese, o mesmo circuito neural que nos impulsiona a explorar o novo pode influenciar a decisão de experimentar Cannabis.
Chamado por alguns neurocientistas de “gene da curiosidade”, o CADM2 codifica uma proteína fundamental para a comunicação entre neurônios. Alterações nesse gene estão associadas a maior sensibilidade à recompensa e à busca por novidades. Assim, o que leva alguém a experimentar novos alimentos, ideias ou práticas culturais também pode aumentar a probabilidade de testar substâncias psicoativas. Não se trata de um “gene da maconha”, mas de um gene relacionado à exploração — um traço evolutivo que pode ter favorecido a sobrevivência humana.
Experimentar é dependência?
A pesquisa destacou a diferença entre a genética do uso vitalício (CanLU) e a do Transtorno por Uso de Cannabis (CanUD). Embora haja correlação moderada entre ambos (rg = 0,58), os pesquisadores identificaram que os loci envolvidos no uso ocasional diferem significativamente daqueles associados à compulsão. A conclusão reforça que curiosidade e dependência seguem caminhos biológicos distintos.
Enquanto o CanUD apresenta ligações fortes com transtornos psiquiátricos, distúrbios do sono e doenças cardiovasculares, o CanLU aparece associado a traços exploratórios e até maior escolaridade. O dado contrasta com o tabagismo, que costuma ter associação negativa com educação. Para os autores, isso pode refletir mudanças culturais e menor estigma em relação ao uso de Cannabis entre grupos mais escolarizados.
O estudo também diferenciou o CanLU do uso de tabaco ao longo da vida, apontando diferenças genéticas claras entre ambos — apesar de comportamentos superficiais semelhantes.
Impactos clínicos e sociais
As descobertas têm implicações diretas para a medicina canabinoide e para a farmacogenética. Pesquisadores apontam que genes como CADM2, CYP2C19 e FAAH podem influenciar a forma como o organismo metaboliza e responde a compostos como CBD e THC, o que explica por que alguns pacientes respondem melhor aos tratamentos enquanto outros percebem poucos efeitos.
A distinção genética entre uso e abuso também ajuda a combater o estigma. Usar a planta não significa predisposição automática ao vício, já que a dependência envolve mecanismos distintos.
Para políticas públicas, o estudo sugere que estratégias de prevenção e regulação devem diferenciar usuários ocasionais de indivíduos com vulnerabilidade à dependência. O uso de Cannabis ao longo da vida não é apenas escolha social ou moral, mas expressão da biologia da curiosidade humana.
Compreender essa base genética não serve para justificar o uso, mas para tratá-lo com nuance e evidência científica — e, possivelmente, contribuir para políticas de saúde mais equilibradas e livres de preconceitos.
(Com G1)