Sábado, 15 de novembro de 2025
Por Redação O Sul | 14 de novembro de 2025
Por anos, os dois pacientes frequentavam o Centro de Memória Penn da Universidade da Pensilvânia, onde médicos e pesquisadores acompanham pessoas com comprometimento cognitivo à medida que envelhecem, além de um grupo com cognição normal.
Ambos os pacientes, um homem e uma mulher, concordaram em doar seus cérebros após a morte para pesquisas futuras. “Um presente incrível”, diz Edward Lee, o neuropatologista que dirige o banco de cérebros da Escola de Medicina Perelman da universidade. “Ambos eram muito dedicados a nos ajudar a entender a doença de Alzheimer.”
O homem, que morreu aos 83 anos com demência, morava no bairro Center City da Filadélfia com cuidadores contratados. A autópsia mostrou grandes quantidades de placas amiloides e emaranhados tau, as proteínas associadas à doença de Alzheimer, espalhando-se pelo seu cérebro.
Os pesquisadores também encontraram pequenas manchas de tecido danificado, indicando que ele havia sofrido vários derrames.
Em contraste, a mulher, que tinha 84 anos quando morreu de câncer cerebral, “não tinha praticamente nenhuma patologia de Alzheimer”, diz Lee. “Nós a testamos ano após ano, e ela não tinha nenhum problema cognitivo.”
O homem morava a poucos quarteirões da Interstate 676, que corta o centro da Filadélfia. A mulher morava a alguns quilômetros de distância no subúrbio de Gladwyne, Pensilvânia, cercada por bosques e um clube de campo.
A quantidade de poluição do ar a que ela estava exposta —especificamente, o nível de material particulado fino chamado PM2.5— era menos da metade da exposição dele. Seria coincidência que ele tivesse desenvolvido Alzheimer grave enquanto ela permaneceu cognitivamente normal?
Com evidências crescentes de que a exposição crônica ao PM2.5, uma neurotoxina, não apenas danifica pulmões e corações, mas também está associada à demência, provavelmente não.
“A qualidade do ar em que você vive afeta sua cognição”, diz Lee, autor principal de um artigo recente na JAMA Neurology, um dos vários grandes estudos nos últimos meses a demonstrar uma associação entre PM2.5 e demência.
Os cientistas têm acompanhado essa conexão há pelo menos uma década. Em 2020, a influente Comissão Lancet adicionou a poluição do ar à sua lista de fatores de risco modificáveis para demência, junto com problemas comuns como perda auditiva, diabetes, tabagismo e pressão alta.
No entanto, tais descobertas estão surgindo quando o governo dos Estados Unidos vem desmantelando esforços para reduzir a poluição do ar através da mudança de combustíveis fósseis para fontes de energia renovável.
Muitos fatores contribuem para a demência, é claro. Mas o papel das partículas —sólidos microscópicos ou gotículas no ar— está recebendo um escrutínio mais próximo.
As partículas surgem de muitas fontes: emissões de usinas de energia e aquecimento doméstico, fumaças de fábricas, escapamento de veículos motorizados e, cada vez mais, fumaça de incêndios florestais.
Dos vários tamanhos de partículas, o PM2.5 “parece ser o mais prejudicial à saúde humana”, diz Lee, porque está entre os menores. Facilmente inaladas, as partículas entram na corrente sanguínea e circulam pelo corpo; elas também podem viajar diretamente do nariz para o cérebro.
A pesquisa na Universidade da Pensilvânia, o maior estudo de autópsia até o momento de pessoas com demência, incluiu mais de 600 cérebros doados ao longo de duas décadas.
Pesquisas anteriores sobre poluição e demência dependiam principalmente de estudos epidemiológicos para estabelecer uma associação. Agora, “estamos ligando o que realmente vemos no cérebro com a exposição a poluentes”, diz Lee, acrescentando: “Estamos conseguindo fazer uma análise mais profunda.”
Os participantes do estudo passaram por anos de testes cognitivos no Penn Memory. Com um banco de dados ambiental, os pesquisadores puderam calcular sua exposição ao PM2.5 com base em seus endereços residenciais.
Os cientistas também desenvolveram uma matriz para medir quão severamente o Alzheimer e outras demências haviam danificado os cérebros dos doadores.
A equipe de Lee concluiu que “quanto maior a exposição ao PM2.5, maior a extensão da doença de Alzheimer”, disse ele. As chances de uma patologia de Alzheimer mais grave na autópsia eram quase 20% maiores entre os doadores que viviam onde os níveis de PM2.5 eram altos.
Outra equipe de pesquisa relatou recentemente uma conexão entre a exposição ao PM2.5 e a demência com corpos de Lewy, que inclui demência relacionada à doença de Parkinson. Geralmente considerado o segundo tipo mais comum depois de Alzheimer, os corpos de Lewy representam cerca de 5% a 15% dos casos de demência.
No que os pesquisadores acreditam ser o maior estudo epidemiológico até o momento sobre poluição e demência, eles analisaram registros de mais de 56 milhões de beneficiários do Medicare (o programa de subsídio a saúde nos EUA) de 2000 a 2014, comparando suas hospitalizações iniciais por doenças neurodegenerativas com sua exposição ao PM2.5 por códigos postais.
“A exposição crônica ao PM2.5 foi associada à hospitalização por demência com corpos de Lewy”, diz Xiao Wu, autor do estudo e bioestatístico da Escola de Saúde Pública Mailman da Universidade Columbia.
Após controlar diferenças socioeconômicas e outras, os pesquisadores descobriram que a taxa de hospitalizações por corpos de Lewy era 12% maior nos condados dos EUA com as piores concentrações de PM2.5 do que naqueles com as mais baixas.
Para ajudar a verificar suas descobertas, os pesquisadores administraram nasalmente PM2.5 em ratos de laboratório, que após 10 meses mostraram “claros déficits semelhantes à demência”, escreveu Xiaobo Mao, neurocientista da Escola de Medicina Johns Hopkins.
Uma terceira análise, publicada no The Lancet, incluiu 32 estudos realizados na Europa, América do Norte, Ásia e Austrália. Também encontrou “um diagnóstico de demência significativamente associado à exposição de longo prazo ao PM2.5” e a certos outros poluentes.
Se a chamada poluição do ar ambiente —o tipo ao ar livre— aumenta a demência devido à inflamação ou outras causas fisiológicas, aguarda a próxima rodada de pesquisas. As informações são do jornal The New York Times.