Sexta-feira, 24 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 2 de abril de 2019
O dinheiro muda nossa relação com a moralidade. Sua própria existência, juntamente com negócios e canais de distribuição complexos, funciona como uma barreira entre nós e a origem dos produtos que consumimos. Isso pode fazer com que nos comportemos de formas profundamente antiéticas.
Posso provar isso. Você considera a tortura animal perversa? E come carne produzida em escala industrial? Muitas pessoas que condenam fortemente a crueldade com animais também comem carne de bichos criados em condições terríveis.
Sei disso por experiência própria. Tento manter uma alimentação baseada principalmente em vegetais, mas, como a maioria das pessoas em grande parte dos países ocidentais, não sigo esta dieta exclusivamente.
Ao recontextualizar um problema e adicionar uma etiqueta de preço a ele, alguns de nossos atos parecem menos ofensivos. Passamos a não ter uma perspectiva direta sobre eles, então, sentimos como se não estivessem relacionados a nós.
Mas quando entendemos o motivo de comermos a carne de animais que sabemos terem sido criados em péssimas condições, podemos começar a compreender muitas outras formas de comportamento que entram em conflito com princípios morais arraigados em nós.
O ‘paradoxo da carne’
De acordo com os psicólogos Brock Bastian e Steve Loughnan, que pesquisam o tema na Austrália, o “paradoxo da carne” é o “conflito psicológico entre a preferência alimentar das pessoas por carne e sua resposta moral ao sofrimento dos animais”.
Eles argumentam que “causar dano aos outros é inconsistente com a visão que temos de nós mesmos como pessoas morais. Desta forma, o consumo de carne tem efeitos negativos para quem come carne, porque estas pessoas são confrontadas com uma visão negativa de si mesmas: como posso ser uma boa pessoa e também comer carne?”.
Esse conflito moral não apenas ameaça nosso prazer de comer carne mas também nossa identidade. Para nos proteger, criamos hábitos e estruturas sociais que nos fazem sentir melhor.
O consumo de carne está ligado aos costumes sociais, de modo que os feriados são definidos como uma época de banquetes em família e com amigos. Algumas pessoas também podem interpretar esse comportamento como um sinal de masculinidade, alegando que isso ajuda a definir que alguém é um “homem de verdade”, ou que os humanos evoluíram como superpredadores destinados a comer carne.
Como costuma ocorrer com muitas decisões que tomamos, inclusive a escolha de comer carne, os motivos que apresentamos para isso são muitas vezes elaborados depois – primeiro, fazemos a opção e, depois, justificamos o comportamento e por que não há problema em fazer isso novamente. E precisamos destes pretextos, ou pensaríamos que somos pessoas más.
A dissonância cognitiva
Quando dizemos uma coisa, mas fazemos outra, ou mantemos crenças inconsistentes, os psicólogos chamam isso de dissonância cognitiva. O termo foi cunhado por Leon Festinger, que o usou pela primeira vez em 1957.
O experimento clássico neste campo foi publicado por Festinger e James Carlsmith em 1959. Eles se perguntaram: “O que acontece com a opinião de uma pessoa se ela é forçada a fazer ou dizer algo contrário a essa opinião?”. Em seu experimento, 71 homens tinham de completar duas tarefas. Primeiro, foi pedido que colocassem 12 carretéis de madeira em uma bandeja, a esvaziassem e colocassem os carretéis de volta na bandeja, repetidamente, por meia hora./
Em seguida, os participantes receberam uma placa com 48 pinos de madeira. Foi solicitado que girassem cada pino em um quarto de volta no sentido horário, depois mais outro quarto de volta, repetidamente, novamente por meia hora. Enquanto eles faziam isso, um pesquisador observava e tomava notas. Eram tarefas intencionalmente chatas.
Embora os participantes pensassem que seu desempenho estava sendo medido, o que veio a seguir era o que realmente interessava os pesquisadores. Depois das duas tarefas, os participantes foram levados de volta para uma sala de espera e informados de que a outra pessoa sentada ali seria o próximo participante. Para um terço dos participantes, foi dito apenas que ficassem sentados. Para os outros dois terços, no entanto, o pesquisador perguntou se eles mentiriam para o próximo participante.
Eles seriam pagos para mentir. Metade receberia US$ 1 pela mentira. A outra metade receberia US$ 20 (um valor expressivo na década de 1950). Quando concordaram, o pesquisador entregou-lhes um pedaço de papel e os instruiu a dizer as frases escritas nele: “Foi muito divertido”, “Eu me diverti muito”, “Eu me diverti”, “Foi muito interessante”, “Foi intrigante”, “Foi emocionante”.
O que os pesquisadores realmente queriam medir era o impacto dessa mentira e a compensação oferecida por ela na avaliação da tarefa pelos participantes. Eles pensariam que gostaram de uma tarefa chata só porque disseram isso a outra pessoa? E como ser pago para fazê-lo influenciaria o resultado?
O grupo controle, que não foi convidado a mentir, disse que a tarefa foi chata e que não a realizaria novamente. Os participantes que receberam US$ 20 também avaliaram negativamente a atividade. No entanto, os participantes que receberam US$ 1 avaliaram o experimento muito mais positivamente do que os outros dois grupos e foram mais propensos a dizer que voltariam a participar de experiências semelhantes no futuro.