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Por Redação O Sul | 6 de agosto de 2019
Há um ano, o aborto estava na pauta do dia. A interrupção voluntária da gravidez era tema de uma audiência pública convocada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) para discutir a descriminalização do procedimento até a 12ª semana. Entre os dias 3 e 6 de agosto, representantes de entidades, inclusive religiosas, ativistas e especialistas de diversas áreas participaram com argumentos contra e a favor. Desde então, o processo está parado. As informações são do jornal O Globo.
Ao menos 19 projetos de lei foram protocolados desde então na Câmara e no Senado com o objetivo de restringir mais ou dificultar o acesso ao aborto, mesmo quando ele já é previsto em lei — em caso de estupro, feto anencéfalo e risco de vida para a mulher. Além disso, 365 dias depois da segunda parte da audiência, ainda não há data para que o assunto volte à Corte.
Desses 19 PLs, 16 foram apresentados em 2019 e dois arquivados. Além dos novos, há outros 28, incluindo a PEC 29, conhecida como “PEC da Vida”, que foram desarquivados no início do ano.
Ao todo, são ao menos 45 projetos no Congresso que buscam restringir direta ou indiretamente o aborto. O levantamento é da campanha “Nem presa nem morta”, formada por grupos, organizações e ativistas pelos direitos das mulheres .
A audiência pública de 2018 foi convocada pela ministra Rosa Weber para discutir a Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental nº 442 (ADPF), da qual ela é relatora, protocolada pelo PSOL e pela Anis — Instituto de Bioética em março de 2017.
Na ação, que pede a descriminalização do aborto até o terceiro mês de gestação, argumentam que os artigos 124 e 126 do Código Penal — que instituem a criminalização da interrupção voluntária da gestação — não estão de acordo com as garantias individuais previstas na Constituição.
Os autores da ação alegam também que certos direitos das mulheres previstos em lei são, hoje, violados diretamente pelo Código Penal, como direito à cidadania, à dignidade, à vida, à igualdade, à liberdade, à saúde e ao planejamento familiar.
Não há perspectiva de o STF julgar ainda este ano a ação. A ministra Rosa Weber sequer liberou o caso para análise do plenário. E, quando fizer isso, será necessário ainda que o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, marque uma data de julgamento. Ele já definiu a pauta da maioria das sessões do segundo semestre e a tendência é que não venha a incluir a questão do aborto.
Além da ação relatada por Rosa Weber, há outra com a ministra Cármen Lúcia, de alcance mais limitado: uma mulher pode abortar quando tiver zika, que provoca microcefalia. Em parecer apresentado em 2016, o então procurador-geral da República Rodrigo Janot opinou que, sim, por entender que obrigar a mulher a continuar com uma gestação nessa condição equivale a um ato de tortura.
Em setembro, Cármen Lúcia liberou o processo para julgamento no plenário. Poucos dias depois, assumiu a presidência, mas não chegou a marcar a data para analisar a ação. Em dezembro de 2018, Dias Toffoli, que sucedeu Cármen na presidência do STF, marcou o julgamento para 22 de maio de 2019. Mas, em 9 de maio, retirou a ação da pauta.
“Retrocedemos”
Luciana Boiteux, advogada que assina a ação, pesquisadora, professora da UFRJ e atualmente suplente de deputada federal pelo PSOL-RJ, acredita que dificilmente o assunto voltará à pauta da Corte, por estarmos em um momento político “não só conservador, mas antifeminista”.
Por outro lado, ela acredita ser pouco provável que esses projetos de lei “andem”. Boiteux afirma que, em sua maioria, eles são “radicalizados e desonestos”.
“Não é um bom momento. Acho que retrocedemos de um ano para cá em termos de possibilidade de um debate honesto. Hoje, o que se tem é uma ameaça de retrocesso, mas é importante dizer que esses PLs já vinham antes, e essas ameaças vêm de muitos anos”, pontua. “Precisamos de um debate franco, com pluralidade de vozes, como ocorreu na audiência, levando em conta a realidade das mulheres. Mas é um momento difícil, de radicalização e negação de direitos.”
A advogada diz defender os resultados que mostram experiências da descriminalização em outros países, como a redução da mortalidade materna. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, o aborto é uma das principais causas desse tipo de óbito.
“Esse debate (sobre aborto) tem que ser feito com o caráter de direitos humanos, respeito, mas também como questão de saúde pública. E saúde pública se mede com evidência, dados de pesquisa. Defendemos a conscientização da sociedade sobre a importância do direito das mulheres ao aborto, chamando a atenção para as consequências nefastas da manutenção da criminalização”, conclui.