Terça-feira, 18 de novembro de 2025
Por Redação O Sul | 4 de janeiro de 2020
“Eu não tenho dúvida de que este ano de 2019 será registrado na história do nosso país como um período extremamente marcante e que o papel deste Supremo Tribunal Federal foi fundamental na pacificação social”, disse o presidente da corte, Dias Toffoli, na última sessão do ano, em 19 de dezembro.
“Gostaria, humildemente, de pedir desculpas por eventuais falhas desta presidência. Sei que muito do que foi feito talvez não contasse com apoio de alguns de vossas excelências, mas de todos recebi apoio e a devida solidariedade em momentos extremamente difíceis que nós passamos”, completou.
O tribunal e, em especial, seu presidente estiveram no centro das principais polêmicas de 2019, ano de um protagonismo inédito da corte, na opinião de observadores externos, em parte por causa da pauta de julgamentos, elaborada por Toffoli, em parte por causa de decisões individuais do ministro.
A promessa de fazer o Supremo submergir, feita por Toffoli quando assumiu a presidência, em setembro de 2018, não se concretizou.
O STF reverteu a jurisprudência vigente e proibiu a prisão logo após condenação em segunda instância ao analisar ações que discutiam a constitucionalidade do tema. As ações estavam prontas para serem julgadas desde 2017, quando a presidente da corte ainda era a ministra Cármen Lúcia. A decisão do plenário levou à soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de outros condenados pela Lava-Jato.
Em meio a pressões de diversos setores, sobretudo de membros do Ministério Público, o tribunal impôs outras derrotas à Lava Jato. São exemplos a decisão de que crimes comuns (como corrupção) ligados a crimes eleitorais (caixa dois) devem ser processados na Justiça Eleitoral e a questão processual da ordem das alegações finais, que causou a anulação de sentenças.
Não só o que entrou na pauta do plenário revela a linha adotada pela gestão Toffoli, mas também o que ficou de fora. Um processo sobre descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, que espera há três anos por um desfecho, por exemplo, chegou a ser pautado duas vezes em 2019 e acabou adiado indefinidamente.
O adiamento não teve justificativa oficial. Nos bastidores, parlamentares ligados a grupos religiosos, como os da bancada evangélica, têm operado para que a chamada “pauta de costumes” não avance no plenário do Supremo.
No campo das decisões individuais, Toffoli abriu em março o controverso inquérito das fake news, para apurar ameaças a integrantes da corte. Ao mesmo tempo, a segurança do tribunal foi reforçada — com compra de armas de choque e novos carros blindados —, e Toffoli deixou de divulgar com antecedência sua agenda pública.
Toffoli designou, sem sorteio, o ministro Alexandre de Moraes para presidir o inquérito das fake news, gerando críticas de colegas tanto reservada como publicamente. Nesse inquérito, Moraes censurou matérias dos sites da revista Crusoé e O Antagonista que falavam de uma menção de Marcelo Odebrecht ao presidente do Supremo.
A medida gerou repúdio até de ministros que inicialmente apoiaram a abertura da investigação, como o decano Celso de Mello. Apontada como autoritária, a censura acabou sendo revertida.
Em julho, Toffoli atendeu a um pedido do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, e suspendeu, com uma decisão individual, todas as investigações do país que usaram dados bancários e fiscais fornecidos pelo antigo Coaf e pela Receita sem autorização prévia da Justiça.
Meses antes, viera a público a informação de que a Receita fizera uma fiscalização interna sobre a esposa do ministro Gilmar Mendes, o que já havia criado uma indisposição de alguns ministros com o fisco.
Segundo o Ministério Público Federal, a decisão provisória de Toffoli levou à paralisação de mais de 900 apurações em todo o país, incluindo a de Flávio. As suspensões duraram até o início de dezembro, quando o plenário do tribunal validou o repasse de dados pelos órgãos de controle, liberou as investigações e impôs uma derrota ao presidente.
No meio dessa discussão, Toffoli ainda intimou a Receita e o Coaf, rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira, a lhe enviarem todos os relatórios de inteligência e representações fiscais feitos nos últimos três anos. Como a Folha revelou, o presidente do Supremo ganhou acesso a dados sigilosos de mais de 600 mil pessoas, incluindo políticos e outras autoridades.
A iniciativa caiu mal no governo e no Ministério Público. Críticos falaram em devassa. Quatro dias depois de a notícia ser divulgada, Toffoli revogou sua própria decisão, destacando que, apesar de ter ganhado acesso eletrônico aos dados sigilosos, não os consultou.
Toffoli tem afirmado que o diálogo com os outros Poderes é o ponto central de sua gestão. A auxiliares o ministro disse que ajudou a conter arroubos institucionais, especialmente no início do ano, quando Bolsonaro assumiu o Planalto.