Domingo, 11 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 15 de setembro de 2019
Promessas falsas de cura do câncer geram milhões de visualizações e lucro no YouTube. A maior parte dos vídeos sobre saúde na plataforma é feita por amadores. O Brasil é parte de problema global.
Um exemplo é a história de Reginaldo. “Oi, estou com um parente com metástase óssea, você pode me receitar esse remédio?”, pede Reginaldo, comentando em um vídeo no YouTube. Sua irmã, de 44 anos, foi diagnosticada com câncer de mama há três anos e está em seu terceiro tratamento de quimioterapia depois que o câncer se espalhou. Reginaldo dos Santos, um vendedor de Vitória da Conquista, na Bahia, procura a solução em um vídeo intitulado “Remédio Caseiro Contra o câncer, tumores e outros”. E o remédio receitado é o melão-de-são-caetano, planta de origem asiática.
O autor do vídeo, um homem do interior do Estado do Espírito Santo, é dono do canal “Elizeu Artes e Criação”. Em um vídeo, publicado em 2016, ele olha para câmera e diz que a planta “combate tumores e câncer”. “De 80% a 90% das células de câncer são desfeitas com melão-de-são-caetano”, afirmou.
O vídeo, que contém anúncios, tem 142 mil visualizações e se mistura a outros de seu canal: “Sal e vinagre tira ou não queimados de panela?”, “Como fazer letras 3D”, “Como tirar manchas do rosto e limpar a pele com menos de R$ 5”. A promessa de curar câncer com melão-de-são-caetano, uma afirmação sem comprovação científica, está entre vídeos de “receitas, artes, experimentos e dicas domésticas”.
O vídeo é apenas um entre vários em português carregados de desinformação sobre saúde disponíveis na plataforma. Uma investigação exclusiva da BBC Brasil e do BBC Monitoring, encontrou vídeos monetizados com desinformação e curas falsas para o câncer em 10 idiomas, incluindo português. Um vídeo “monetizado” significa que é acompanhado por anúncios que podem gerar dinheiro, tanto para os criadores quanto para o YouTube.
Em nota, o YouTube disse que “a desinformação é um desafio difícil” e que a empresa toma “diversas medidas para endereçar isso”. Procurando no YouTube por “tratamento para o câncer” e “cura para o câncer” em português, inglês, russo, ucraniano, árabe, persa, hindi, alemão, francês e italiano, a BBC encontrou mais de 80 vídeos com desinformação sobre saúde. Dez dos vídeos encontrados tinham mais de um milhão de visualizações. Um vídeo brasileiro cujo título diz que aranto, uma planta de origem africana, cura câncer, tem mais de 3 milhões de visualizações. Não é uma afirmação verdadeira – não há estudos científicos que a comprovem.
Mas milhares de brasileiros procuram por respostas no YouTube. “É muito assustador quando você ou alguém que você ama recebe um diagnóstico de câncer”, disse o cardiologista Haider Warraich. “Isso nos faz tomar decisões mais com a emoção do que com a razão.” Isso pode ser perigoso porque, como Warraich escreveu no jornal americano New York Times, a “desinformação médica pode provocar um número de corpos ainda maior” que outros tipos de desinformação.
Uma pesquisa da Universidade Yale de 2017 concluiu que pacientes que optam por tratamentos alternativos para cânceres curáveis no lugar dos tratamentos convencionais têm maior risco de morte. A ciência, diz Warraich, “é incerta por natureza”, enquanto alguns vídeos no YouTube oferecem respostas absolutas, algo que é muito mais atrativo para quem está fazendo justamente isso – procurando soluções.
No Brasil, a maior parte das “curas” envolve frutas e plantas exóticas. Alguns dos vídeos incluem ressalvas como “procure o seu médico antes de adotar essa prática”, embora divulguem no título e outras partes do vídeo que a receita divulgada de fato oferece uma cura.
Pesquisador de câncer na Universidade Oxford, no Reino Unido, o médico David Robert Grimes explicou que, diferentemente das curas falsas divulgadas no YouTube, “a medicina é cuidadosamente regulada, rigorosa e objetiva”. “Fazemos pesquisas científicas para verificar se algo funciona. Se funciona, pode virar um remédio, e isso é testado de novo e de novo e de novo”, afirma. “Sua eficácia pode ser medida. A ciência é um processo aberto e todo mundo pode testar a ideia de todo mundo.”