Quinta-feira, 15 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 24 de janeiro de 2022
Em um dos tentáculos do crime organizado no Estado do Rio de Janeiro, até 80% do mercado de botijões de gás de cozinha estão nas mãos de milicianos e traficantes, segundo a Associação Brasileira dos Revendedores de GLP (Asmirg). É diante dessa realidade que tanto o governo federal quanto o estadual lançaram recentemente programas para ajudar a população mais vulnerável a comprar esse item tão básico do cotidiano. Quem mora nessas áreas se depara com o temor de que o alívio no orçamento das famílias acabe, no fim da linha, alimentando indiretamente os caixas das quadrilhas que controlam o negócio. Só com a primeira parcela do Auxílio Gás do Ministério da Cidadania, paga ao longo deste mês, entre R$ 18 milhões e R$ 20,6 milhões podem parar nos cofres de distribuidores ligados ou explorados pelos criminosos.
O problema ocorre, sobretudo, em favelas e áreas conflagradas, onde as quadrilhas agem cooptando vendedores clandestinos, impondo ágio sobre o preço normal, obrigando consumidores a pagarem mais caro pelo gás e até lavando dinheiro oriundo de outras práticas ilícitas. De acordo com a Asmirg, que reúne comerciantes do gênero de todo o país, a situação é especialmente grave na Região Metropolitana, que concentra 72,5% das famílias favorecidas pelo auxílio federal, cujo pagamento da primeira parcela vai até 31 de janeiro.
“O Rio de Janeiro virou uma realidade à parte no setor. A pessoa tem uma revenda regularizada, mas, se o funcionário atravessa a rua e faz negócio onde não deve, pode ser executado”, lamenta Alexandre José Borjaili, presidente da Asmirg há 15 anos, que prossegue: “Sabemos que de 70% a 80% do mercado do estado encontram-se nessa situação. Esse cenário faz com que qualquer ação do governo tenha muita dificuldade de chegar ao consumidor final. Digo isso não só em relação ao vale-gás, mas também quando há alguma política estatal que tenta fazer controle de preços. Se é o crime que, em última instância, controla a venda, do que adianta?”, questiona.
No caso do Auxílio Gás federal, o objetivo é amenizar os efeitos da inflação galopante para 494.934 famílias fluminenses, que receberão R$ 52 para ajudar na compra do botijão. O benefício, que pagará um total de R$ 26 milhões a moradores do Rio nesta primeira parcela, se soma a um voucher com o mesmo fim anunciado na última semana pelo estado, destinado a áreas atendidas pelo recém-lançado projeto Cidade Integrada. Na semana passada, o governador Cláudio Castro afirmou que a proposta de fornecer um voucher, e não a quantia em espécie, tem justamente o objetivo de evitar que o dinheiro pare nas mãos do crime.
Os números do setor apontam o quão lucrativos podem ser os negócios ilegais. O Rio de Janeiro é responsável pelo terceiro maior mercado de gás de cozinha do país, atrás apenas de São Paulo e Minas Gerais. O estado conta com 1.815 revendas varejistas devidamente autorizadas pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), responsável por fiscalizar o setor. São pouco mais de 2 milhões de botijões comercializados todos os meses, dos quais ao menos 1,4 milhão, nas contas da Asmirg, fazem parte da cadeia controlada pelo crime organizado.
A pesquisa periódica da ANP aponta que, atualmente, o preço médio do botijão de 13kg em solo fluminense é de R$ 92,31. Já investigações da Polícia Civil indicam que a taxa imposta pelos bandidos costuma ser de, no mínimo, 20% sobre o valor original, o que faz com que, nessas áreas, o produto custe ao menos R$ 110, podendo ir a R$ 120 ou R$ 130. Uma matemática que resulta em um lucro bruto mensal superior a R$ 25 milhões com a prática criminosa estado afora — valor, aliás, similar ao total a ser desembolsado pelo governo federal, no Rio, nesta primeira parcela do Auxílio Gás.
A venda dos botijões, porém, não é vantajosa para o crime apenas pelo faturamento milionário. Em abril de 2020, uma grande operação da Polícia Civil prendeu quatro suspeitos de lavarem dinheiro para uma milícia que agia em Nova Iguaçu e Seropédica, na Baixada Fluminense. O esquema envolvia revendedoras de gás e, segundo os investigadores, movimentou quase R$ 200 milhões em cinco anos. Seis meses antes, outra ação havia colocado atrás das grades Fábio Pinto dos Santos, o Fabinho São João. Chefe do tráfico nas favelas de São João e de Manguinhos, ele criou empresas de distribuição de gás no nome de parentes e as utilizava para tentar legitimar o ganho com a venda de droga. As informações são do jornal O Globo.