Sexta-feira, 21 de novembro de 2025
Por Redação O Sul | 17 de setembro de 2017
A agonia não é só no Brasil. O grupo JBS/Friboi já começa a enfrentar percalços nos Estados Unidos, devido à suspeita de que o ex-procurador da República Marcello Miller possa ter trabalhado como “agente duplo”, assessorando o conglomerado frigorífico no acordo de leniência (espécie de delação premiada das empresas) enquanto ainda estava na PGR (Procuradoria-Geral da República).
O caso considerado grave pelas autoridades norte-americanas porque Miller era o interlocutor do MPF (Ministério Público Federal) brasileiro com as autoridades do outro país. A partir da revelação da hipótese de que ele atuava de forma irregular, o Departamento de Justiça em Washington colocou em xeque e travou as negociações. O acordo é considerado vital para a sobrevivência da JBS/Friboi, sujeita às pesadas multas impostas pelos norte-americanos a empresas envolvidas em corrupção.
A JBS/Friboi retira do exterior 87% de sua receita de operações. Nos Estados Unidos, onde tem 56 fábricas e é dona de marcas tradicionais como a Swift, o grupo registra 51% de sua receita total. Há, ainda, um agravante: como a empresa dos irmãos Batista tem fábricas em território norte-americano, as propinas pagas no Brasil são uma violação da lei de lá, que proíbe empresas de pagarem suborno no exterior. Sem o acordo com o Departamento de Justiça, o cenário mais provável é que Joesley e Wesley, sócios majoritários do negócio, sejam afastados da empresa.
Troca
A JBS/Friboi já fez uma tentativa para retomar as negociações: trocou o escritório Baker McKenzie, que dialogava com o Departamento de Justiça, pelo White & Case, que só atua com normas éticas. O primeiro é ligado ao escritório que o procurador Marcello Miller trabalhou no Brasil quando deixou a PGR, o Trench Rossi Watanabe.
O Trench demitiu Miller em julho, quando se tornou pública a suspeita sobre o ex-procurador. O escritório nega ter praticado irregularidades. “Os Estados Unidos jamais fecham acordo com advogados sob suspeita”, argumenta afirma Sylvia Urquiza, especializada em “compliance” (termo que se refere às regras anticorrupção).
Para ela, o Departamento de Justiça exige que os advogados tenham uma ética irretocável porque eles serão os responsáveis pela autoinvestigação que a empresa fará. Com a prisão de Joesley e Wesley e a rescisão do contrato de delação premiada, as perspectivas para a JBS são as piores possíveis nos dois países, segundo especialistas.
A JBS/Friboi fez dois tipos de acordo com as autoridades brasileiras: o de delação, para livrar as pessoas físicas da prisão, e o de leniência, no qual a empresa pagou uma multa de R$ 10,3 bilhões para se livrar das as punições.
O então procurador-geral da República, Rodrigo Janot (que deixou o cargo nesse domingo), rescindiu o acordo de delação porque os Batista teriam mentido e omitido crimes. O acordo de leniência, por sua vez, foi parcialmente suspenso pela Justiça de Brasília. Com a rescisão, as provas apresentadas pelos delatores ainda podem ser usadas.
Se ficar provado que Miller orientou Joesley a gravar o presidente Michel Temer, o acordo poderá ser anulado junto com as provas. Os cinco especialistas ouvidos pela Folha dizem crer que o acordo de leniência será anulado, o que geraria um caos jurídico e econômico para a JBS/Friboi. Se esse cenário se confirmar, o acordo com os Estados Unidos se tornará ainda mais distante, de acordo com Sylvia Urquiza.
A norma americana determina que as empresas façam acordos em seu país de origem ao mesmo tempo em que acertam seus tratos nos Estados Unidos, como ocorreu com as empreiteiras Odebrecht e UTC. Era o que a JBS tentava, até eclodir o episódio Miller.
Um advogado que já atuou em acordos no Brasil e nos Estados Unidos avalia que a JBS/Friboi cometeu pecados capitais em série para os padrões morais dos norte-americanos: mentiu, omitiu e manipulou o mercado de ações. Segundo esse padrão, é aceitável fazer um acordo com um gângster arrependido, mas não com um mentiroso.
A empresa não quis se pronunciar sobre os percalços que enfrenta para fechar acordo nos Estados Unidos. A confidencialidade é uma das cláusulas que o Departamento de Justiça impõe às empresas que negociam tratos após confessarem práticas corruptas. O ex-procurador Marcello Miller também não quis se manifestar.