Terça-feira, 27 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 26 de maio de 2025
Em depoimento dado ao jornal O Globo, a brasileira Priscila Sousa narrou sua vida como indocumentada nos Estados Unidos e o caminho percorrido na política americana até ser eleita como deputada em Massachusetts com bandeira pró-imigração. Leia abaixo a íntegra da declaração.
“Eu era muito nova quando saí de Minas Gerais e vim morar nos Estados Unidos, tinha apenas sete anos de idade. Meus pais, como muitos outros, vieram para cá em busca de uma vida melhor. Eles já tinham visitado o país anos antes, no final da década de 1980, quando eu era bem pequena. Depois, voltaram para o Brasil e o meu pai abriu uma farmácia, mas não deu certo. Então, pensaram: por que não imigrar para os EUA? Foi assim que nós voltamos, dessa vez para ficar.
Sabíamos que ficaríamos para além do permitido, vivendo como imigrantes sem documentos até termos alguma oportunidade de virar cidadão americano ou residente permanente. Chegamos a tentar a ‘loteria green card’ (programa do governo dos EUA que concede visto de residência permanente), mas não deu certo da primeira vez. Nós só conseguimos legalizar a situação em 2004, após nove anos aqui.
Apesar da ideia de uma vida melhor, as coisas aqui também não são fáceis. E, depois de alguns fracassos, eu sentia que talvez devesse voltar para o Brasil e recomeçar a minha vida – como meus pais fizeram. Cheguei perto disso aos 20 anos, mas, na véspera da viagem, recebi uma proposta por aqui e interpretei aquilo como um sinal para ficar.
Na época, por volta de 2012, fui convidada para trabalhar na campanha de eleição do Barack Obama. Eu havia estudado Ciência Política e, por isso mesmo, tinha curiosidade por esses assuntos. Então, quando surgiu a oportunidade, eu fui. Lá, me dei conta de que não sabia muito o que estava acontecendo na minha cidade, em Framingham, Massachusetts – onde vive a maior comunidade brasileira do país.
Depois dessa experiência, resolvi prestar mais atenção no governo local. Eventualmente, comecei a ir a algumas reuniões na minha cidade. Eu sempre sentava no fundo, vestindo um moletom com capuz. As pessoas começaram a ficar curiosas, com algumas até preocupadas com a possibilidade de eu ser uma jornalista ‘infiltrada’ nos encontros.
Um dia, a secretária da Câmara dos Deputados veio falar comigo e perguntou quem eu era. Eu disse que estava curiosa para saber mais sobre a política local, e ela sugeriu que eu me envolvesse em alguma comissão na cidade. Eu nem sabia direito como funcionava, mas, por sorte, aos poucos fui achando pessoas pacientes no meu caminho, me explicando todo o processo. Aprendi muito nesse período.
Anos mais tarde, em 2017 e ainda com um pouco de raiva com a eleição de Donald Trump para a Presidência, eu resolvi tentar ser prefeita da minha cidade. Minha motivação era o fato de que, na era do Trump, eu via que as vozes dos imigrantes não estavam sendo ouvidas – embora naquela época a situação não estivesse tão ruim como está agora.
Me candidatei e sofri uma derrota esmagadora. Tinha apenas 28 anos e pouca experiência, mas comecei a levantar a bandeira dos brasileiros aqui – que, por sinal, fazem muito para contribuir para a economia local. Tenho plena noção de que a economia local não existiria sem os imigrantes, especialmente sem os brasileiros.
Fui levantando essa questão e insistindo na ideia de que os imigrantes não tinham voz. Depois, falei sobre os brasileiros não terem voz na educação – e virei membro de um órgão de vereadores que só lidam com o orçamento educacional. Falei bastante sobre isso durante a pandemia, que, apesar de ter sido terrível para todos, foi especialmente ruim para quem era imigrante. Todas as vezes em que tomava uma decisão, questionava: como os imigrantes vão ser incluídos nisso?
Em 2022, me tornei a primeira latina imigrante a ser presidente da Comissão Escolar de Framingham e tive a oportunidade de me candidatar para o cargo de deputada estadual. E aqui estamos hoje, em um caminho que muitas vezes é desafiador. Mobilizar os brasileiros – ou os imigrantes, de modo geral – não tem sido fácil. Na área da educação, por exemplo, eu passei muito tempo estudando isso, quebrando a cabeça. E a conclusão que cheguei é que não podemos esperar da comunidade imigrante uma adesão a um sistema que não foi criado para ela.
Aqui, temos grupos de pais voluntários nas escolas, e notamos que os brasileiros não participavam. A percepção era a de que as mães brasileiras não se importavam com a educação dos filhos. Mas os avisos eram enviados por e-mail, quando os brasileiros estão mais atentos ao WhatsApp. E, pior: as reuniões eram feitas no meio da tarde, quando os pais imigrantes ainda estavam trabalhando. Fizemos mudanças considerando isso e tivemos resultados positivos.
Então, para ser sincera, ainda estamos aprendendo, tentando encontrar alternativas de inclusão. Ao mesmo tempo, é impossível não notar que tudo o que tem acontecido com o novo governo Trump tem afetado os nossos cidadãos, os pequenos negócios.
Nos últimos tempos, tenho recebido ligações frequentes. É triste notar as movimentações, mas é bom saber que a comunidade me vê como uma aliada. E eu falo para todos: eu já fui uma imigrante sem documentos, não tenho amnésia, eu sei o que eles estão passando. Não é nada fácil, ainda mais agora. Vejo pessoas tentando saber o que está acontecendo, ou avisando que alguém foi levado e buscando entender quais recursos existem para ajudar. Meu telefone não para.
Hoje, diferentemente de quando eu vim morar aqui, o preconceito é mais explícito, principalmente online. E isso é algo que aumentou bastante com a nova administração. O governo Trump criou espaço para que isso ocorra. Eu tenho me posicionado contra isso, incluindo, claro, as políticas de cerco aos imigrantes. Também tenho falado bastante com grupos democratas e organizações de apoio.
Ainda assim, a questão migratória segue sendo o meu maior medo. Penso que os nossos pequenos negócios podem fechar, porque muitos deles, ao menos no meu distrito, são conduzidos por imigrantes. Tenho medo de ver o colapso da economia local, com o governo estadual incapaz de suprir todas as faltas que vemos agora no governo federal.
Por outro lado, minha esperança é que esses extremos ajudem a acordar as pessoas. Muitos já estão falando que não imaginavam que as coisas iriam para esse lado. Acho que muitos brasileiros, especialmente os evangélicos, escutaram os discursos de pastores direitistas e acreditaram nisso. Eles acreditaram, por exemplo, que o governo Trump só iria atrás de pessoas com antecedentes criminais, o que vemos que não é o caso.
Mesmo nesse contexto, eu queria dizer aos imigrantes que eles têm espaço aqui. E recomendar que busquem saber mais sobre a política local. Eu brinco que saí de Ipatinga para o mundo: só de chegar aqui eu já me sinto muito grata. Mas meu sonho é que muitos outros brasileiros se candidatem para cargos nos EUA. Nós não estamos ‘na casa dos outros’. Estamos aqui. E, mesmo não sendo americanos, a grande verdade é que, sem a nossa contribuição, o país não iria adiante.” As informações são do jornal O Globo.