Terça-feira, 23 de abril de 2024
Por Redação O Sul | 28 de janeiro de 2020
Advogado Gustavo Nagelstein, sócio proprietário da Nagelstein Advocacia Criminalista
Foto: DivulgaçãoO advogado Gustavo Nagelstein, sócio proprietário da Nagelstein Advocacia Criminalista, especialista em direito penal e processual penal, avalia os sete anos da tragédia da boate kiss com um questionamento: o que mudou?
“Dia 27 de janeiro completou sete anos de uma das mais tristes tragédias mundiais, o incêndio na Boate Kiss, fato este que culminou na morte de 242 jovens entre outros feridos. A cidade de Santa Maria foi palco disso, restando famigeradamente conhecida como “a cidade da tragédia da boate kiss”.
Embora pouco divulgado, na época, já havia legislação municipal (Lei n.º 3.301/91) que tratava acerca da obrigatória prevenção contra incêndios por parte de bares, boates e demais lugares em que havia circulação de pessoas; isto é, uma lei que já vigorava há mais de 20 anos no município. Mas por que não foi tal norma devidamente cumprida e respeitada por órgãos públicos competentes? Difícil encontrar essa resposta. Todavia, uma coisa goza de plena certeza, se tal lei municipal fosse cumprida por repartições municipais que fiscalizavam bares e boates no referido município, não teria acontecido a tragédia.
Ainda, como se a falta de legislação fosse o problema, após o ocorrido em Santa Maria, as autoridades legislativas criaram uma Lei com o intuito de dar maior regulamentação para funcionamento de casas noturnas e estabelecimentos comerciais, de modo a evitar a repetição de futuras tragédias. Ainda em 2013, foi aprovada a Lei n.º 14.376/2013, vulgarmente chamada Lei Kiss.
Tão logo foi regulamentada, estipulou-se o prazo de cinco anos para que todos os imóveis do Estado fizessem as adequações para obter a aprovação do Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI) e o alvará. Após esse período, as edificações que não estiverem adaptadas à Lei ficariam irregulares.
No entanto, por meio de decreto, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, próximo ao esgotamento do prazo de 5 anos – que se encerrou em 27 de dezembro de 2019 – acabou por estender o prazo por mais 4 anos, atendendo reivindicação do setor empresarial que alegava a impossibilidade de adequação no prazo anterior. Importante esclarecer que referida prorrogação não vale para estabelecimentos noturnos, mas sim para todos demais atividades e edificações.
Muito embora setores ligados ao comércio tenham buscado a prorrogação do prazo de adequação à legislação, sob a alegação de elevado custo financeiro, setores ligados a categoria de Engenheiros e Arquitetos reivindicam de forma contrária, sustentando que a legislação foi criada para dar segurança a sociedade e que a prorrogação do prazo de adaptação, pode gerar acidentes e até mesmo outra tragédia.
Importante relembrar que mesmo antes da tragédia da boate Kiss, já havia legislação tratando sobre as questões, mas a grande problemática sempre foi a ausência de fiscalização por parte dos órgãos responsáveis e a ausência de interesse dos empresários em investir na segurança dos estabelecimentos e imóveis, sob a alegação de elevado custo.
O que se conclui da breve reflexão é que mesmo após a lamentável tragédia, evidente que o interesse financeiro prevalece sob a vida humana, não tendo a maior tragédia da história envolvendo fogo em um estabelecimento noturno feito qualquer mudança na forma de agir por parte dos órgãos públicos responsáveis, deixando claro que os interesses financeiros continuam a prevalecer sobre a vida humana”.