Quarta-feira, 12 de novembro de 2025
Por Redação O Sul | 12 de novembro de 2025
Em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu uma união estável homoafetiva post mortem e admitiu a relativização do requisito de publicidade em razão de contexto social discriminatório. O caso envolvia a validade de uma união estável entre duas mulheres, uma delas falecida, que conviveram por mais de 30 anos no interior de Goiás.
O reconhecimento da união havia sido negado na origem, sob o argumento de ausência de publicidade do relacionamento.
Relatora do caso, a ministra Nancy Andrighi destacou que a exigência desse requisito deve ser interpretada à luz dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da liberdade individual.
Nancy Andrighi pontuou ainda que negar o reconhecimento da união estável homoafetiva pela falta de publicidade seria “invisibilizar uma camada da sociedade já estigmatizada, que muitas vezes recorre à discrição como forma de sobrevivência”.
Em seu voto, a ministra afirmou ser possível relativizar a publicidade quando comprovada a convivência contínua, duradoura e com comunhão de vida e interesses, conforme o artigo 1.723 do Código Civil.
O colegiado reconheceu a união estável post mortem entre as companheiras, consolidando a orientação do STJ de ampliar a proteção jurídica a relações afetivas marcadas por discrição imposta por contextos sociais ou culturais.
O advogado André de Almeida Dafico Ramos atuou no caso. Segundo ele, a decisão, não dispensou a caracterização do requisito legal da publicidade, previsto expressamente no artigo 1.723 do Código Civil. “Ao contrário, reafirmou sua importância jurídica, mas reconheceu que a publicidade deve ser interpretada em harmonia com os direitos constitucionais à intimidade e à privacidade, sobretudo em relações homoafetivas, nas quais, não raro, a publicidade da relação colocaria o casal em situações de extrema vulnerabilidade e, em casos extremos, até de violência.”
Para o advogado, a decisão representa um marco significativo na defesa do direito das minorias. “Ao reconhecer que a publicidade não deve ser aferida tendo por base um padrão abstrato de exposição social, mas por meio de uma avaliação concreta, que considere os motivos que levaram à discrição, entre eles o medo, a ameaça e a violência simbólica e material decorrentes da homofobia, permite que a interpretação do requisito legal da publicidade seja orientada por um olhar humanizado, sensível às especificidades da vida real e às estruturas sociais que ainda impõem o silêncio a muitas relações.”
“O que se concretiza neste julgamento é a aplicação do Direito que transcende a letra fria da Lei e resgata sua função mais nobre: promover justiça com humanidade. A sociedade que reprime e pune é a mesma que, de modo contraditório, exige a publicidade dos relacionamentos homoafetivos para lhes conceder validade. Essa contradição revela a necessidade de repensar os parâmetros interpretativos, compreendendo que exigir publicidade ampla é ignorar a realidade homofóbica presente na sociedade, revelando a manutenção das estruturas do conservadorismo heterossexual normativo”, observa.
O advogado ressalta que o acórdão não elimina a técnica jurídica, “mas a aprimora, trazendo-a para o campo da efetividade dos direitos fundamentais”.
“A decisão da Terceira Turma é, antes de tudo, um marco de sensibilidade e de reconhecimento da pluralidade das formas de amar. Ela reafirma que o Direito deve servir à vida e não o contrário. Se não fosse a coragem da autora da ação, que lutou pelo reconhecimento de seus direitos e enfrentou o peso da invisibilidade, muitos talvez não pudessem viver o amor com a liberdade e a proteção jurídica que têm hoje. Sua história simboliza a resistência e abre caminho para que outras pessoas possam existir e amar com dignidade”, reconhece.
André de Almeida Dafico Ramos acredita que, mais do que uma vitória individual, trata-se de uma vitória civilizatória. “O julgamento reafirma que a interpretação do artigo 1.723 do Código Civil deve refletir a realidade contemporânea e que a publicidade, enquanto elemento da união estável, não pode ser exigida em padrões de exposição incompatíveis com o contexto de discriminação estrutural que persiste. O Direito não pode exigir coragem onde a sociedade impõe medo.”
“Este precedente reafirma a função humanizadora da Justiça e consolida o compromisso do Poder Judiciário com a igualdade substancial e com a efetiva proteção das famílias em todas as suas formas de expressão”, pontua. As informações são da Assessoria de Comunicação do IBDFAM e da Agência Câmara de Notícias.