Quinta-feira, 01 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 20 de abril de 2025
Ex-governador de Minas Gerais, ex-presidente da Câmara dos Deputados, ex-senador da República, ex-parlamentar constituinte, o deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG) é um dos nomes relevantes da política brasileira nas últimas quatro décadas — não apenas pela trajetória, mas, também, pela herança política. Neto de Tancredo Neves, o primeiro presidente civil eleito depois de 21 anos de ditadura militar, foi secretário particular do avô e todo tempo esteve ao lado dele — da vitória no Colégio Eleitoral, em 15 de janeiro de 1985, à morte, em 21 de abril do mesmo ano. A eleição de Tancredo concretizou a Nova República e abriu caminho para a convocação da Assembleia Nacional Constituinte, que resultou na promulgação da Constituição de 1988.
Em entrevista, Aécio revisita os bastidores do processo de redemocratização, reflete sobre a transição liderada por Tancredo, a atuação de José Sarney — seu vice guindado à Presidência da República por circunstâncias que jamais imaginara —, os impasses na Constituinte e os dilemas da política brasileira atualmente — entre eles, o crescimento da extrema-direita, o julgamento dos envolvidos na tentativa de golpe de Estado e nas depredações das sedes dos Três Poderes em 8 de Janeiro de 2023, e a crise de representatividade que, conforme avalia, abriu espaço para discursos radicais.
Estamos celebrando 40 anos de redemocratização. Mas, ao mesmo tempo, assistimos aos julgamentos de pessoas que tramaram um golpe de Estado. Isso que dizer que a ditadura jamais foi superada?
Acho o contrário. Isso demonstra a importância da Constituição de 1988. A Constituição permitiu que, mesmo diante de tantas crises — dois impeachments presidenciais, três anos de recessão com o governo Dilma, uma tentativa de golpe —, as instituições se mantivessem firmes. A Constituição foi criticada por muitos, inclusive pelo PT, que não votou nela. (O hoje presidente) Lula, como deputado, subiu à tribuna e disse que não a assinaria. Três deputados do PT (Bete Mendes, Ayrton Soares e José Eudes) que votaram com Tancredo (no Colégio Eleitoral) foram expulsos. Isso é história. Hoje, o PT celebra a Constituição como a melhor da história, mas votou contra. Mesmo assim, a Constituição sobreviveu e permitiu que a democracia resistisse a todas essas turbulências. Ela é a grande responsável pela superação das crises, sem retrocessos institucionais. A democracia é muito sólida, (tanto que) no ano que vem estaremos escolhendo novos políticos para comandar o país.
Tancredo era conhecido pela habilidade de conciliar adversários que se pensavam inconciliáveis. Hoje, políticos com o perfil do seu avô teriam espaço ou seriam engolidos pelo radicalismo?
A política do diálogo, da convergência, está muito ausente da realidade atual. O plenário da Câmara, que presidi, tornou-se um local insalubre. Os extremos se digladiam. Cada um quer ganhar mais likes, e não mais construir soluções. Quanto mais ataques, mais apoio têm. Isso empobrece a política. As pessoas estão cansadas dessa política de ataque, na qual você precisa derrubar o outro. Aqui (na Câmara) não se discute mais propostas, projetos. Tancredo era conciliador, mas também era um homem de coragem pessoal. Foi ministro da Justiça de Getúlio Vargas, esteve com ele até o fim. Quando (o presidente) Getúlio se suicidou, Tancredo estava com ele no quarto. No auge da ditadura, acompanhou Juscelino (Kubitschek, ex-presidente) em todos os inquéritos, mesmo quando todos se afastaram. Na renúncia de Jânio (Quadros, ex-presidente), foi Tancredo quem articulou a posse de Jango (Goulart, ex-presidente). E quando (o general Humberto) Castelo Branco foi indicado presidente, foi o único deputado do PSD a votar contra. Esses gestos mostram coragem. E é isso que falta hoje: coragem com sabedoria. O Tancredo era completo. E faz muita falta.
A política brasileira desceu de nível nesses 40 anos?
Piorou muito. A influência das redes sociais é imensa hoje. Hoje não se tem espaço para construção de carreiras políticas. As carreiras políticas são meteóricas, tanto as subidas quanto as quedas são muito rápidas. Certa vez,um deputado falou para Ulysses: ‘Esse Congresso está muito ruim’. E ele respondeu: ‘Espere para ver o próximo Congresso’. Ulysses já antevia esse empobrecimento. Ainda assim, vejo sinais de mudança. Nas eleições de 2024, os extremos que radicalizaram perderam. Quando buscaram alianças ao centro, venceram. Isso mostra que há um certo cansaço com o confronto. O Brasil quer voltar a falar com a razão, não com a raiva.
O senhor crê que a anistia de 1979 deixou lacunas que alimentam o radicalismo de agora?
Não acredito. O que alimenta o radicalismo atual é a ausência de política, de diálogo. (O ex -presidente Jair) Bolsonaro se elegeu como antipolítico, como antissistema. Muitos se elegeram nesse vácuo e, depois, se mostraram até piores do que aqueles que criticavam. Hoje vivemos consequência desse vácuo, que levou a essa radicalização. E acho que não tem mais a força de antes. Acredito que, em 2026, a força dos extremos não será tão grande como foi em 2018 e 2022. As informações são do portal Correio Braziliense.