Domingo, 21 de setembro de 2025
Por Redação O Sul | 21 de setembro de 2025
A 80.ª Assembleia-Geral da ONU começará nesta semana com desafios inéditos em uma história repleta de percalços e crises. Das primeiras missões para intermediar a criação do Estado de Israel e a partilha do Estado da Palestina, em 1947, à crise dos mísseis, em Cuba, em 1961; do massacre em Ruanda e a guerra do Kosovo, nos anos 1990, à invasão do Iraque pelos EUA em 2003.
Foram muitos os momentos de quase ruptura, mas nenhuma crise é tão acentuada quanto a atual.
A maior ameaça ao futuro da instituição é justamente Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, país que historicamente era o principal mantenedor e patrocinador da ONU. Trump volta ao palco da Assembleia-Geral em Nova York pela primeira vez desde que assumiu o segundo mandato. Um retorno em meio a um momento histórico de instabilidade, com a longeva crise do multilateralismo intensificada por sua própria agenda política.
A ONU há muito é alvo favorito de uma ala dos republicanos. Apesar de sediar a ONU em Nova York e ser historicamente o seu maior financiador, Washington sob o novo governo Trump passou a reduzir o apoio à instituição.
Ao esvaziar e desmantelar essas instituições internacionais, especialistas explicam que Trump desafia a ordem mundial e as regras da instituição que a estabeleceu há 80 anos.
Professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Matias Spektor avalia que Trump atua como acelerador de desgaste das instituições e normas internacionais que organizaram o mundo nas últimas oito décadas. “As Nações Unidas enfrentam um enorme desafio devido ao corte drástico do orçamento. Trump é um fator de aceleração do processo de esgarçamento do conjunto de instituições e normas internacionais, ou seja, regras do direito internacional”, explica.
Desde que voltou à Casa Branca, o presidente americano estabeleceu mudanças significativas na atuação dos EUA na ONU. Entre elas estão a saída do Conselho de Direitos Humanos, o congelamento de verbas para diferentes agências e uma revisão ampla do papel americano dentro do órgão. Trump também anunciou a saída da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Unesco.
Para o presidente e seus aliados, os EUA podem exercer sua influência global fora da ONU e suas instituições. Eles criticam o fato de a ONU parecer incapaz de lidar com crises e estar cada vez mais hostil a Israel. Segundo o porta-voz da Casa Branca Davis Ingle, Trump “vai apresentar a visão de uma América e um mundo seguros, prósperos e pacíficos” na Assembleia-Geral.
“A abordagem do governo Trump em relação à ONU tem sido destrutiva e, às vezes, vingativa,” disse ao The Wall Street Journal Richard Gowan, pesquisador de ONU no International Crisis Group, um think tank.
A escassez de recursos já afeta o trabalho de áreas sensíveis. Volker Türk, alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, disse ao New York Times que será necessário interromper investigações sobre crimes de guerra e reduzir a fiscalização de monitores contra a tortura.
Embora a Casa Branca ainda não tenha anunciado os resultados da revisão estabelecida pelo governo Trump, os EUA recuperaram US$ 1 bilhão em financiamento para a ONU e informaram a intenção de cortar mais US$ 1 bilhão, agravando o déficit de recursos das Nações Unidas.
Palestina
Em um sinal marcante da diminuição da influência americana, França, Reino Unido, Canadá e Austrália planejam anunciar conjuntamente nesta segunda-feira (22), na abertura anual da Assembleia-Geral, que estão reconhecendo o Estado palestino e desafiando, assim, os desejos de Trump e de Israel, o aliado mais próximo dos EUA no Oriente Médio.
O governo republicano se opõe à criação de um Estado palestino e diz que o movimento pode prejudicar as chances de uma solução de dois Estados, fortalecendo o Hamas e talvez encorajando Israel a anexar partes da Cisjordânia.
Sobre a guerra da Rússia na Ucrânia, espera-se ainda menos progresso. O presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, e o ministro das relações exteriores russo, Sergei Lavrov, estarão presentes, mas Vladimir Putin, não.
Grupos regionais
A agenda do presidente americano com a ONU pode ter levado ao fortalecimento de instituições alternativas e mais restritas, voltadas a grupos regionais, como o Brics, o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura ou mesmo a União Europeia.
Especialistas avaliam que essas iniciativas não partem da ideia de uma ordem internacional universal. Pedro Brites, professor da FGV, destaca que os países do chamado Sul Global ainda veem um valor simbólico importante nas instituições multilaterais e podem correr o risco de perder relevância caso não consigam se adaptar às novas configurações de poder.