Domingo, 01 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 29 de maio de 2025
“Acho triste pedir para você não colocar meu sobrenome na reportagem. Não estou cometendo um crime.”
“A gente dá entrevista com medo.”
“Sinto muito, mas é um momento muito delicado, estou numa posição vulnerável.”
“Estou tremendo só de falar sobre isso.”
Essas são apenas algumas das dezenas de respostas dadas por estudantes estrangeiros de universidades americanas. Quando questionados sobre as consequências práticas da “guerra” entre o governo Trump e instituições de ensino renomadas, como Harvard, Princeton e Columbia, eles costumam optar pelo silêncio ou pedir total anonimato.
São estratégias de proteção adotadas por alunos internacionais que, mesmo em situação legal nos Estados Unidos, querem garantir a oportunidade de se formar e de trabalhar no país. Em relatos à reportagem, eles contaram também que:
– apagaram seus perfis em redes sociais;
– fizeram uma “limpa” em posts antigos ou em grupos de WhatsApp;
– deixaram de participar de atividades extracurriculares (como jornais do campus);
– evitaram comparecer a protestos;
– desistiram de viajar ao país de origem nas férias.
“É uma política partidária e ideológica de criar esse sentimento de medo para que os estudantes se calem. Ainda que não sejam ameaças individuais, é bom para o governo que a gente fique em silêncio”, diz ao g1 Núbia*, aluna brasileira da Universidade Harvard.
Na última campanha eleitoral para a presidência dos Estados Unidos, Donald Trump já havia exposto qual seria sua postura em relação a alunos estrangeiros: fez críticas ao programa de vistos estudantis, defendeu o monitoramento ideológico do grupo e prometeu “limpar universidades de espiões” vindos de outros países.
Desde janeiro, quando assumiu o posto, o republicano colocou em prática essa conduta:
– Acusou universidades de elite de antissemitismo e doutrinação, e passou a ameaçá-las com punições, como cortes de verba, caso não aceitem exigências do governo.
– Proibiu que Harvard tenha alunos internacionais – medida revogada pela Justiça americana.
– Segundo o site Politico, ordenou a todos os consulados, na terça (27), que pausem a concessão de vistos estudantis.
Diego Scardone, vice-presidente da Harvard Brazilian Association (HBASS), conta que, de todos os casos que já chegaram até ele, os mais preocupantes são os de alunos recém-aprovados na universidade, que sequer conseguiram entrar nos EUA ainda.
“Eles comprometeram 90 mil dólares por ano para pagar a graduação, deram sinal de dois meses de aluguel em dólar, compraram passagem, mas não vão conseguir o visto? Isso é um absurdo. Estudantes estão sendo utilizados para fins políticos”, diz.
Núbia (nome fictício), aluna da graduação em Harvard, desistiu de viajar ao Brasil e cancelou a passagem aérea que havia comprado. “A cada semana, a gente tem uma notícia diferente. Hoje, meu status é legal, mas amanhã, talvez eu não possa mais ficar nos EUA. A orientação que recebi foi a de não sair do país, a não ser em urgências. Podem derrubar a liminar [que garantiu a permanência de estrangeiros em Harvard] e negar minha volta na fronteira”, diz.
Essa incerteza, segundo Núbia, chega a afetar seu desempenho no curso.
“A ansiedade e o estresse aumentaram muito; não tem como não prejudicar o rendimento acadêmico. Não dá nem para saber se conseguirei fazer meu último ano da faculdade ou se precisarei ter um plano B e voltar ao Brasil”, afirma.
O brasileiro Carlos (nome fictício), pesquisador-visitante em Harvard, pegou um avião para Oxford, na Inglaterra, onde defenderia sua tese de doutorado. A caminho do aeroporto, viu a notícia sobre as restrições de Trump a alunos internacionais.
“Subi no avião sem saber se iria voltar aos Estados Unidos”, conta.
Na última visita ao Brasil, neste ano, Carlos trouxe seus aparelhos eletrônicos (exceto computador e celular) e sua bicicleta para, caso perca o visto, já tenha a maior parte de seus bens materiais no país.
“A gente tem medo. Não faço qualquer comentário sobre política americana nas redes e já revi tudo o que postei para ver se falei algo de Israel. Também saí de grupos de Whatsapp em que meus amigos discutiam política”, relata.
A também brasileira Renata Prôa, aluna do mestrado em Harvard e do doutorado em Columbia, chegou a trabalhar como “embaixadora de mídia social” da primeira universidade. “Eu postava muitos conteúdos da instituição no Instagram. Mas foi bem doido: em certo momento, Harvard me falou: ‘feche suas redes sociais, porque é perigoso’. Loucura”, diz.