Sexta-feira, 10 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 16 de março de 2018
O embaixador João Carlos da Souza-Gomes foi removido nessa sexta-feira do cargo de chefe da representação brasileira junto à FAO (braço da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) em Roma (Itália). Ele foi acusado de assédio sexual e moral por funcionários e estava afastado da função desde o fim do ano passado desde a implantação de um processo administrativo disciplinar.
Durante os mais de 120 dias em que Souza-Gomes ficou afastado, o governo federal gastou cerca de R$ 90 mil na contratação de funcionários domésticos para a casa do embaixador. Os servidores que trabalhavam na residência pediram transferência após formalizarem as denúncias. Eles também ameaçavam entrar em greve caso o diplomata reassumisse o seu posto.
No início do mês, uma reportagem do jornal “Folha de S.Paulo” revelou que o diplomata continuava recebendo o seu salário integral e mais US$ 9,5 mil por mês para pagar jantares, recepções e outros custos relacionados ao trabalho de colegas no exterior. A manutenção do pagamento em casos de afastamento está prevista em lei.
Comportamento abusivo
De acordo com relatos de algumas das pessoas ouvidas em anonimato, o diplomata exigia que uma subordinada o ajudasse a se vestir: ela tinha de se ajoelhar, colocar as meias nele, abotoar suas calças e fechar sua camisa. Frequentemente, ainda segundo os relatos, ele saía do banheiro com as calças abaixadas ou a braguilha aberta. E fazia piadas: “Você viu, né? Você gostou, né?”
Em outro posto, relataram as fontes, ele teria dito a uma subordinada : “Você estava uma gostosa ontem” e pedido para outros diplomatas aplaudirem a mulher. “Não falávamos nada porque tínhamos medo, a gente podia sofrer retaliação”, disse uma diplomata.
Uma das vítimas precisou de tratamento psiquiátrico para síndrome do pânico após as investidas do embaixador. Outra passou a tomar remédio contra ansiedade.
Ao longo de 43 anos de carreira diplomática, Souza-Gomes foi designado para postos importantes: chefiou as embaixadas do Brasil na Venezuela e no Uruguai, a missão junto à Unesco em Paris (França) e serviu nos consulados em Nova York e São Francisco (Estados Unidos).
Ele é conhecido como “João do Pulo”, por sua ascensão meteórica na carreira, relacionada por colegas a suas conexões políticas. Em um posto, segundo um relato, agarrou uma funcionária pelo pescoço e usava a expressão “cabelo Bombril” para falar de alguns funcionários negros.
Também há descrições de episódios em que chamava subordinados de “burros” ou “incompetentes” aos gritos. Em Roma, uma funcionária gravou suas conversas.
Em 2011, após acusações de que Souza-Gomes assediou moralmente outro diplomata, o então corregedor Gelson Fonseca foi mandado a Montevidéu para adverti-lo de que o comportamento era inaceitável. O embaixador, porém, foi mantido no posto.
O ministério abriu um processo disciplinar e afastou o embaixador por 60 dias. A pena prevista para casos assim varia de uma advertência à suspensão por 30 ou 90 dias, podendo chegar à expulsão e cassação de aposentadoria. O processo corre em sigilo e o Itamaraty não comenta.
“O Itamaraty inteiro sabia que o embaixador tinha um histórico de assédio, finalmente isso está sendo apurado”, disse à Folha uma diplomata que trabalhou com ele.
“É como o produtor de Hollywood Harvey Weinstein : as pessoas se calaram durante anos, mas hoje não toleram mais esse tipo de coisa”, afirmou, citando o recente escândalo de assédio nos Estados Unidos.
“Existe uma mudança de mentalidade em relação ao assunto”, afirma a embaixadora Sonia Guimarães Gomes, diretora do Departamento de Administração do Itamaraty e coordenadora do comitê de Gênero e Raça. “Trata-se de um avanço, porque, antes, por espírito de corpo, os diplomatas não queriam ver os casos de assédio expostos; agora parece que entenderam que sanear a instituição é mais importante do que o espírito de corpo.”