Terça-feira, 23 de abril de 2024
Por Redação O Sul | 11 de dezembro de 2017
O auditor da Receita Federal suspeito de receber propina para agilizar a liberação de créditos tributários à JBS entrou no radar da PF (Polícia Federal) e da Corregedoria do Fisco porque, segundo o MPF (Ministério Público Federal), ostentava um patrimônio “completamente incompatível” até mesmo com os cerca de 25 mil reais mensais que recebia no cargo público.
De acordo com a promotora Anamara Osório, o servidor, que não teve o nome revelado, possuía “carros caros” e “imóveis em localidades de luxo”, como Campos do Jordão e Caraguatatuba. “Há a notícia de uma venda de uma Ferrari há pouco tempo. Até pelo monitoramento da Receita, ele estava se desfazendo do patrimônio”, acrescentou.
PF, MPF e Receita Federal deflagraram, na manhã desta segunda-feira (11), uma operação para investigar o pagamento de 160 milhões de reais em propinas ao auditor da Receita que, ao longo de 14 anos, teria acelerado a liberação de créditos tributários em favor da JBS, dos irmãos Wesley e Joesley Batista. Ao menos 2 bilhões de reais teriam sido pagos antecipadamente à empresa por conta da atuação do fiscal.
Legitimidade dos créditos
“Seriam créditos relacionados com pedidos de ressarcimento de PIS/Cofins. Em princípio, esses créditos podem até ser devidos, mas normalmente eles não são analisados com a rapidez que a empresa pretende que eles sejam. A linha de investigação principal é que a agilidade na análise desses créditos tenha sido completamente fora dos padrões normais, com aferimento de vantagem indevida”, explica o delegado do Fisco Guilherme Bibiani.
Segundo Bibiani, a coordenação central da Receita em Brasília vai, agora, montar um grupo de trabalho para passar um “pente fino” em todos os procedimentos de ressarcimento e análise de direito creditório da JBS para saber se, além da questão da agilidade anormal, houve alguma outra irregularidade nos valores devolvidos pela União à empresa.
A J&F Investimentos, grupo que controla a JBS, disse que não comentaria o trabalho da PF, mas afirmou que os créditos são “recursos legítimos que a companhia teria a receber”.
Comparsas
Conforme informou o delegado da PF Thiago Boreli Thomaz, “no primeiro momento, não há informação sobre participação direita dos irmãos Batista no esquema”.
Para a polícia, porém, o fiscal investigado não atuou sozinho. “Existia um grupo que trabalhava junto com ele. São intermediários que faziam a propina chegar”, completou o também delegado da corporação Alberto Ferreira Neto. De acordo com ele, dois comparsas já foram identificados: um empresário e um advogado.
O advogado, já falecido, teria sido o responsável por apresentar o auditor a representantes da JBS. Já o empresário, segundo a polícia, ficava incubido de lavar o dinheiro pago pela empresa. A polícia ainda investiga como era feita a divisão da propina entre os personagens, mas já sabe como as quantias chegavam até eles.
“Temos 100 milhões pagos por intermédio de doleiros, 40 milhões pagos em espécie e 20 milhões por meio de notas fiscais fictícias. Ou seja, faziam a simulação da prestação de um serviço só para o dinheiro chegar às mãos das pessoas certas. Nós verificamos as empresas e elas não existiam, e tampouco os serviços eram prestados”, disse Ferreira Neto.
Bloqueio de bens e pedido de prisão
O auditor em questão já foi afastado judicialmente e, junto de outras oito pessoas físicas e jurídicas suspeitas de envolvimento no esquema, teve os bens bloqueados. O MPF chegou a pedir a prisão preventiva do fiscal, mas a Justiça negou.
Ao todo, 14 mandados de busca e apreensão foram cumpridos na operação, batizada de Baixo Augusta, nesta manhã. Eles tiveram como alvo residências e empresas em São Paulo, Caraguatatuba, Campos do Jordão, Cotia, Lins e Santana do Parnaíba.
A investigação teve início a partir do acordo de delação premiada selado entre a Procuradoria-Geral da República e a J&F. Ou seja, trata-se de mais um desdobramento da Lava-Jato.
Os delatores contaram que um auditor-fiscal foi pago para agilizar, ilicitamente, a liberação de recursos que a empresa teria a receber da Receita a título de créditos tributários. Conforme estima o MPF, 8% de todos os valores creditados pelo Fisco à JBS eram convertidos em propina.
De acordo com a PF, há indícios de que o esquema de corrupção funcionou por mais de uma década, entre 2004 e 2017.
O que diz a J&F
A J&F informa que não é alvo da Operação Baixo Augusta. A empresa não fará comentários sobre a ação que está sendo realizada hoje e que decorre do acordo de colaboração firmado com a Justiça. A J&F reitera ainda que, conforme nota divulgada pelo MPF, os créditos à JBS são recursos legítimos que a companhia teria a receber do Fisco.