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Colunistas Um mercosul antes do MERCOSUL

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(Foto: Reprodução)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

MERCOSUL jurídico e formal tem seus méritos. Não há dúvidas mas poderia tê-los em maior número se, principalmente na Argentina e no Brasil, houvesse governantes à altura do desafio “novedoso” e enxergassem o potencial do acordado. Em certos momentos – e não foram poucos – o detalhe prevaleceu sobre o genérico. Decidiu-se em razão de um varejo político momentâneo em detrimento do atacado que, capaz de ser duradouro, exigia um mínimo de tempo de construção – com suas inconveniências – para ultimar-se, provavelmente sólido e rentável.

De qualquer maneira, houve muitomercosulantes (até bem antes) do Tratado de Assunção (1991). Acontecia nas fronteiras. Como na Uruguaiana das décadas de quarenta e cinquenta dos mil e novecentos, alimentada simultaneamente por rivalidade e necessidade.

Recordo que, aos domingos, no almoço (muita massa, molho domestico insuperável e um pouco de vinho) reuniam-se, no feitio italiano, pais, filhos, netos etc para comemorar-se a solidariedade familiar.

Ao fundo, era praxe (tempo de nem pensar em televisão) deixar o rádio ligado na poderosa Rádio Belgrano, de Buenos Aires, que transmitia um programa popularíssimo entre os argentinos, assimilado pela cultura fronteiriça. Era um festival de críticas e ironias – inteligentes, diga-se de passagem – principalmente, atingindo a política e o futebol. Para divertir-nos, devíamos estar a par da vida pública de nossos vizinhos; éramos, sobretudo na fronteira, colônias não confessas de “los hermanos”. Em casa, o pai, sendo italiano, era torcedor do Boca; Cesar, o primogênito, era River; Mario, o culto, escolheu “la Academia” que era o Racing sobrando para mim, ou o Independiente (conhecido como “los diablos rojos”) ou o San Lorenzo de Almagro. Entre Satanás e a santidade fiquei com o “bem” talvez por motivos similares às que levaram o Papa Francisco, quem sabe até por razões pastorais, a seguir, para minha vaidade, o mesmo caminho.

Era época em que jornais portenhos tradicionais, como “La Prensa” e “La Nacion”, chegavam a Uruguaiana ao meio dia de sua data de capa e, por eles, sabíamos o que (e o porquê) estava acontecendo no mundo.

As crianças – falo das do lado de cá – com 4 ou 5 anos já estavam acostumadas a folhear as páginas coloridas do Biliken, revista infantil que tinha história e estórias, que conseguiam atrair e se fazer entender dos dois lados da fronteira.

Eu esperava, na segunda-feira, ansioso, uma publicação que ainda hoje, mais de sessenta anos depois ainda se edita: “El Grafico”, que me permitia ser um “sabe tudo” sobre futebol argentino.

Com o passar do tempo, íamos a Libres, já adolescentes, tentar namorar as moçoilas correntinas. Enquanto isso, muitas vezes, dava confusão em bailes de carnaval nos clubes em Uruguaiana, com oficiais do Exército argentino vindo disputar, com os candidatos a “galã” locais, a preferência de nossas beldades.

Era o mesmo tempo em que as “chibeiras” – mulheres que viviam do comércio formiga – atravessavam a Ponte Internacional para trazer de la o que aqui faltava ou era mais caro. Época em que a indústria argentina – ao contrário de hoje, principalmente no vestuário e também na alimentícia – era superior a nossa.

Não se ouvia, nem na rádio Charrua que, no dial, era nossa voz de resistência um “sambinha” compensador. A música que comandava, em ambas as margens do rio Uruguai, era o Tango (saber dança-lo era pré-requisito de sobrevivência no campeonato de figuração da juventude).

Esse era o Mercosul, sem tratados. No passar do tempo, a Argentina conseguiu ter dirigentes (civis, militares etc e tal) piores, bem piores – imaginem só, então – que os nossos.

Nossa indústria alcançou e superou a portenha. O mesmo aconteceu no agronegócio em que pareciam – com auxílio da natureza e do clima – imbatíveis. Não demorou muito, viram-se superados em quantidades e qualidades pelos brasileiros.

O porquê e exatamente desde quando não é tema desta crônica. Aqui é muito mais um lembrete de evocação – talvez melancólica – do passado, quando, como jovens, a vida tinha o ímpeto da conquista e o sabor da novidade; quando se tinha o fôlego de querer e a atrevida ousadia do arriscar e de criar.

Pessimistas os há para quem o passado parece sempre melhor do que foi, talvez porque não esteja mais aqui. O escrever e o descrever o que parece ter sido o palmo de terra onde ocorreu lembra Tchekow: “Canta a tua aldeia e cantarás o mundo”.

A verdade é que, até talvez lembrando do que não teria acontecido,, se tem memória dos mil anos que nunca tivemos ou teremos.

A fronteira, Uruguaiana, a “casa nostra”, a rádio Beltrano, aquele Mercosul vem à mente com força, correspondendo à frase de Picasso: “ leva-se muito tempo para ser jovem por muito tempo”, ou melhor, quem sabe, a de Drummond: “pois as coisas findas, muito mais que lindas, estas ficarão”.

(*) Doutor em Direito

cagchiarelli@gmail.com

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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https://www.osul.com.br/um-mercosul-antes-do-mercosul/ Um mercosul antes do MERCOSUL 2016-07-30
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