Segunda-feira, 16 de junho de 2025
Por Ester Garcia | 16 de junho de 2025
Em algumas culturas, a masculinidade é associada à agressividade e à dominância
Foto: FreepikEsta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
A violência doméstica é um problema complexo e multifacetado que afeta indivíduos de todas as idades, gêneros e origens. Embora todos os olhares estejam focados no feminicídio, pela extensão da dor e crueldade nos atores envolvidos, frequentemente é visto como um problema isolado.
No entanto, a violência nos relacionamentos humanos pode ter raízes profundas em experiências de maus-tratos na infância. Este artigo visa explorar as raízes da violência doméstica e como maus-tratos na infância podem contribuir para a violência nos relacionamentos, na idade adulta.
A criança, desde a tenra idade, tem nos pais sua fonte de segurança e aprendizagem. Ela aprende a se relacionar com os outros, observando a forma como os pais interagem entre si e com ela. Quando a criança é exposta a discussões e brigas constantes, ela pode se sentir impotente em não poder ajudar, o que pode gerar sentimentos de ansiedade, medo e insegurança e baixa estima. Pessoas que sofreram maus-tratos na infância tem mais propensão, na idade adulta, a se envolver em relacionamentos abusivos, violência doméstica e demais violências.
Repetição de comportamentos: uma perspectiva psicanalítica
A psicanálise oferece um olhar profundo sobre a mente humana, com foco no inconsciente e seus impactos na vida, auxiliando no tratamento de conflitos internos e promovendo um maior conhecimento de si mesmo. O inconsciente é responsável por armazenar tudo o que vivemos. Cabe ressaltar que a mente inconsciente desempenha um papel fundamental em nossas memórias, influenciando em até de 95% das nossas lembranças, experiências e decisões.
Este poderoso sistema inconsciente afeta diretamente os comportamentos e emoções do indivíduo de maneira imperceptível, mas ele existe e age. A psicanálise ajuda a entender por que as pessoas podem repetir padrões de comportamento aprendidos na infância. Se a criança que sofreu maus-tratos físicos e emocionais for um menino, ele tem mais probabilidades de se tornar um agressor na vida adulta.
A psicanálise ajuda a entender por que as pessoas podem repetir padrões de comportamento aprendidos na infância. Se a criança que sofreu maus-tratos físicos e emocionais for um menino, ele tem mais probabilidades de se tornar um agressor na vida adulta. Algumas consequências: aprendizados nos mais diversos âmbitos do comportamento. Se um menino cresce num ambiente onde a violência é comum, ele julgará que a agressão é a única alternativa para resolver conflitos, tornando-se, então, agressivo e violento nos relacionamentos de criança à vida adulta.
Em algumas culturas, a masculinidade é associada à agressividade e à dominância, o que pode contribuir para a formação de padrões de comportamento violentos.
Quebrando o ciclo de violência: um chamado à ação
Os maus-tratos na infância podem ter um impacto profundo e duradouro na vida das pessoas envolvidas: as vítimas mulher-mãe, filhos e o pai-agressor. Com tratamento médico e psicoterápico, é possível superar esses traumas e feridas emocionais, promovendo relacionamentos saudáveis, a partir da conscientização das partes envolvidas, pais, mães, filhos, professores, cuidadores, escola e Poder Público, através do ensino e educação, tendo as escolas como parceiras.
A violência doméstica causa sofrimento profundo em todos os envolvidos, mulher, filhos, pai/agressor. É crucial os danos psicológicos e neurológicos que a violência (física, psicológica, sexual, patrimonial, moral) causa. E deixa marcas indeléveis em todas as vítimas da violência. O mito de que o agressor não sofre precisa ser desmistificado, pois a violência é um reflexo de problemas internos e pode ter consequências graves para a saúde mental e emocional do agressor.
Conclusão
Combater a violência doméstica exige uma abordagem integral e intersetorial, considerando o ser humano em sua totalidade (corpo e mente). É fundamental envolver todos os atores (mãe, crianças e pai) e setores (saúde, Justiça, segurança, assistência social e educação). A promoção da saúde é uma ferramenta essencial na prevenção à violência doméstica, construindo uma cultura de paz e garantia dos direitos individuais.
Políticas públicas fundamentais: políticas de prevenção – educação, cultura e principalmente investimento em saúde mental; políticas ontersetoriais: saúde, educação, segurança pública, assistência social e jurídica.
As alternativas descritas neste artigo objetivam agregar a Lei Maria da Penha, considerando “pessoas” como seres biopsicossociais-emocionais. A Lei Maria da Penha (2006) foi e é um marco fundamental no enfrentamento da violência doméstica contra a mulher. No entanto, apesar de seu papel fundamental, os feminicídios continuam aumentando. É preciso ir além da punição dos agressores e investir em serviços psicológicos, psicoterápicos e terapias alternativas e complementares.
É hora de entender a pessoa de forma integral (mente e corpo). E, para isso, validar e ampliar os serviços que abordam a saúde mental e emocional. No Senado, já tramitam estudos e projetos que apoiam essa nova visão de combater a violência contra a mulher.
* Ester Garcia, psicanalista e mestre em psicologia da saúde
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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