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Por Redação O Sul | 20 de setembro de 2019
Primeira presa da Operação Lava-Jato e com um acordo de delação firmado em 2016, a doleira Nelma Kodama virou ré no último mês sob acusação de falso testemunho em inquérito relacionado à operação.
A acusação, feita em denúncia apresentada pela procuradora da República Yara da Silva Sprada, foi aceita no dia 14 de agosto pelo juiz Luiz Antônio Bonat, que assumiu a 13ª Vara Federal do Paraná após a saída de Sérgio Moro.
Segundo o Ministério Público Federal, a doleira fez as declarações que agora estão em xeque no ano de 2015, no âmbito de um inquérito que apurava a suspeita de que um grupo de delegados e advogados produziu um dossiê contrário à Lava-Jato. Esse inquérito foi arquivado em 2017, por falta de provas.
À época das declarações, Nelma estava presa e ainda não tinha fechado os termos de seu acordo de delação premiada. Ela apontou um delegado e um escrivão da PF (Polícia Federal) como supostos participantes de um conluio contra a operação. No entanto, as falas são contestadas por registros e por outras testemunhas.
Em 15 de abril de 2015, chamada a testemunhar no inquérito, Nelma reconheceu uma fotografia do delegado da PF Rivaldo Venâncio e disse que, quando Youssef estava preso, em 2014, o delegado “constantemente frequentava o corredor em frente às celas de Alberto Youssef, mantendo contato com o mesmo”.
Convocada a se manifestar em 2016, ela repetiu a afirmação e disse que não podia afirmar “precisamente o número de vezes que tais encontros ocorreram, mas foi mais de uma vez” e que acreditava “que tenha sido uma conversa sobre amenidades, pelas risadas que ouviu”.
O delegado Rivaldo entrou com uma representação contra Nelma. No documento, apontou que havia um único registro de entrada dele no local, em meio a uma inspeção realizada pelo Ministério Público Federal, na qual estava acompanhado por procuradores e por agentes da polícia.
Em manifestação nos autos, Rivaldo afirmou que, na ocasião, havia outros presos no local e “viu pela primeira e única vez o preso Alberto Youssef”. Foram escutados dois carcereiros e dois agentes da Polícia Federal, que negaram que o delegado frequentasse a cela, como disse a doleira. O próprio Youssef afirmou que não conhecia Rivaldo Venâncio.
Também em abril de 2015, Nelma disse que um escrivão da Polícia Federal, Cleverson Ricardo Hartmann, participava de grupo que “visava prejudicar o andamento da Operação Lava Jato, deduzindo que, pelo fato de ele trabalhar na sala ao lado daquela em que ela estaria prestando depoimento, tentava escutar o teor de sua conversa mantida com a delegada Tânia Fernanda Prado Pereira”.
Nelma disse que a delegada acabou mudando de sala, inclusive, por causa do escrivão. No entanto, ouvida no processo, a delegada Tânia negou que tivesse qualquer desconfiança sobre Hartmann e que mudou de sala porque o espaço inicial era muito pequeno para tomar depoimentos.
Ao aceitar a denúncia contra Nelma, o juiz Bonat afirmou que a denúncia se funda nas informações prestadas tanto pela doleira como por testemunhas, o que “permite concluir pela presença de indícios da existência de crimes e de sua autoria”. Ele abriu prazo para que os advogados da acusada apresentassem defesa no caso.
Na Lava-Jato, Nelma foi condenada em outubro de 2014 pelos crimes de corrupção, evasão de divisas e organização criminosa. Depois que firmou acordo de delação premiada com as autoridades, a pena, que era de 18 anos, foi diminuída para no máximo 15 anos.
Em junho de 2016, a doleira passou para um regime aberto diferenciado, com uso da tornozeleira eletrônica. Como já havia cumprido um quinto da pena, no início de agosto deste ano, o juiz Danilo Pereira Junior, da 12ª Vara Federal de Curitiba, reconheceu como beneficiária do indulto natalino editado pelo ex-presidente Michel Temer, em 2017, e declarou extinta a punibilidade.
Procurado, o advogado de Nelma Kodama, Adib Abdouni, afirma que a sua cliente não “faltou com a verdade” em seu depoimento e não teve “o intuito de manchar a reputação de qualquer profissional da Polícia Federal”.
“Ela estava presa, estava frágil, estava com problema psiquiátrico e em nenhum momento ela imputou, através de dolo, qualquer conduta criminosa a membros da Polícia Federal”, afirma o advogado.
Segundo ele, antes de se tornar ré a defesa tentou um acordo de retratação com as partes contrárias, que não vingou. “Na época [do depoimento], ela estava sem assistência de advogado e sob stress emocional, porque estava presa”, disse o advogado. E, segundo ele, “angustiada por aspirar sua liberdade”, respondeu ao que foi perguntado.