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Por Redação O Sul | 29 de agosto de 2019
Na lista de alvos preferenciais do governo Jair Bolsonaro, o cardiologista William Dib, acha graça quando é acusado de fazer apologia da maconha. “Se colocar maconha aqui na minha frente, nem vou saber identificar. Minha geração é a do lança perfume”, diz.
O diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) entrou na mira do governo ao abrir para consulta pública a possibilidade de plantio de maconha por empresas e de registro de medicamentos derivados da planta.
Foi acusado pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra, de buscar subterfúgios para a liberação do uso recreativo da droga. Também apanhou pesado do próprio presidente, que disse que a Anvisa demora demais a registrar medicamentos e para quem o órgão estaria criando dificuldades para vender facilidades.
Às críticas, o médico de voz pausada dá de ombros. Está um tanto acostumado, afinal, a bater de frente com o ocupante do cargo mais alto da nação. “Não é a primeira vez que fico discutindo com um presidente. O Lula subiu muito no palanque contra mim”, afirma ele, referindo-se à eleição municipal de 2004, quando era prefeito de São Bernardo do Campo (SP) pelo PSB e buscava a reeleição.
“E eu ganhei com 78% dos votos contra o PT [na verdade, 76,3%]”, afirma, sem disfarçar o sorriso.
Filho de sírios que migraram para Garça, no interior paulista, Dib chegou a São Bernardo aos sete meses de idade, quando os pais abriram uma loja na cidade do ABC paulista.
Lá, “Dr. Dib” foi secretário de Saúde, vice-prefeito e por fim prefeito, entre 2003 e 2008. Teve ainda um mandato de deputado federal pelo PSDB (2011-15). Em 2017, chegou à Anvisa, indicado pelo então presidente Michel Temer, que conhece desde a década de 1980. Tem mandato na agência até dezembro deste ano.
A tranquilidade de Dib tem motivo: a Anvisa oferece a ele blindagem, pelo fato de diretores de agências terem mandato fixo.
É um caso diferente do ocorrido com outros inimigos do governo, como o ex-diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) Ricardo Galvão, exonerado em razão da insatisfação de Bolsonaro com os dados sobre o desmatamento da Amazônia. “Virei bode expiatório”, diz ele. “Mas quando você bate boca, acaba denegrindo a imagem da agência. Acaba entrando na politicagem”, afirma.
Dib conta que introduziu o tema da maconha para consulta pública por uma questão prática. É preciso normatizar o tema, diz ele, que hoje é um cipoal de medidas judiciais beneficiando indivíduos e associações.
Ele afirma que antevia reação forte, mas imaginou que viria sobretudo dos defensores do uso da maconha. “O enfrentamento que acreditei que a gente teria é das pessoas com decisão judicial a seu favor, achando que nós estaríamos tirando um direito deles”, afirma.
Segundo Dib, a proposta em debate na Anvisa é “muito, muito, muito mais restritiva do que o que há hoje”, reforçando a entonação da palavra “muito”. “Vai regularizar o plantio da maconha no Brasil, que não será para dezenas ou centenas de pessoas. Não haverá essa possibilidade, porque há a palavrinha ‘cota’ na regulamentação”, diz.
A reação dos conservadores, declara, vem do fato de no Brasil as pessoas não terem o hábito de lidar com dados. “Debate científico é uma coisa meio mágica na cultura brasileira”.
Ele espera ter o tema pronto para se votado pelos cinco diretores da Anvisa em outubro. Relator da matéria, antecipa que votará a favor. Numa rara crítica direta ao governo, diz que a defesa feita por Terra de que o assunto seja debatido pelo Legislativo não faz sentido.
“Não posso acreditar que um membro do Congresso cite isso, porque foi o Congresso que produziu as leis que delegam à Anvisa essa atribuição”, afirma, referindo-se ao fato de que Terra é deputado federal licenciado pelo MDB-RS.