Sexta-feira, 26 de abril de 2024
Por Redação O Sul | 11 de fevereiro de 2017
Aviso aos navegantes: travessão não é hífen. Confundir os dois dá uma baita dor de cabeça. A gente pensa uma coisa e escreve outra. Mais ou menos o que se passou com o brasileiro em Portugal. “Vou à Espanha”, resolveu. Alugou o carro e ganhou o mundo. Chegou a uma encruzilhada. Qual a direção certa? O jeito era perguntar. “Companheiro, esta estrada vai para a Espanha?”, indagou. “Não sei”, respondeu o português. “Mas, se for, vai fazer muita falta.”
Com o hífen e o travessão, todo o cuidado é pouco. O hífen (-) tem dois empregos. Um: liga o pronome átono ao verbo (vende-se, põe-no). O outro: forma palavras compostas (beija-flor, porta-retrato, anti-herói).
O travessão (–) é muito mais versátil. Como Bom Bril, tem mil e uma utilidades:
1. Introduz diálogos como este de Manuel Bandeira:
Imagino Irene entrando no céu:
– Licença, meu branco?
E São Pedro, bonachão:
– Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
2. Separa as datas de nascimento e morte de uma pessoa: Recife, 1908 – Brasília, 1962.
3. Destaca um termo opaco, escondido. Dá realce ao sem-graça: Moraes conseguiu – até – a adesão dos adversários.
4. Substitui os dois-pontos (ao introduzir uma explicação) ou a vírgula:
Eis o grande vencedor – o filme que faturou 300 milhões de dólares. (Eis o grande vencedor: o filme que faturou 300 milhões de dólares.)
O partido não aceita ser mulher de malandro – apanhar na Câmara e no Senado. (O partido não aceita ser mulher de malandro: apanhar na Câmara e no Senado.)
O estado do Rio – o mais afetado pela crise – precisa de ajuda. (O estado do Rio, o mais afetado pela crise, precisa de ajuda.)
A diferença
Uma mesma informação pode vir entre vírgulas, travessões ou parênteses. Assim como não há palavras inocentes, não há sinais ingênuos. Qual a diferença entre um e outros? Compare:
Brasília, a capital do Brasil, tem 3 milhões de moradores.
Brasília – a capital do Brasil – tem 3 milhões de moradores.
Brasília (a capital do Brasil) tem 3 milhões de moradores.
Identificou a manha de cada um? A vírgula é neutra. Separa o termo explicativo. O travessão grita. Dá realce. Os parênteses escondem. Desqualificam a informação.
Travessão e vírgula
Usa-se travessão com vírgula? Só num caso. Se o segundo travessão coincidir com a vírgula:
Depois da chacina – que matou mais de 100 pessoas –, a crise capixaba se tornou preocupação nacional.
Viu? Sem o travessão, só haveria a vírgula final:
Depois da chacina que matou mais de 100 pessoas, a crise capixaba se tornou preocupação nacional.
Deu pra entender? O casamento do travessão com a vírgula é raro como viúvo na praça. No caso em que aparecem duas vírgulas em vez de dois travessões, o casamento não tem vez. Compare:
Brasília, a capital do Brasil, tem 3 milhões de habitantes.
Brasília – a capital do Brasil – tem 3 milhões de habitantes. Redigir, na definição do Aurélio, é escrever com ordem e método.
Escrever – na definição do Aurélio – é escrever com ordem e método.
Dica
Use. Mas não abuse. Coloque apenas dois travessões no mesmo parágrafo. Mais que isso desorienta. Deixa o leitor confuso. Afinal, como você sabe, o sinalzão grita.
Leitor pergunta
Depois de dois-pontos, uso letra maiúscula ou minúscula?
Carlos Alexandre, BH
Depende. Olho no que vem depois:
1. Se for explicação ou enumeração, não duvide. É minúscula:
A questão era esta: nada a fazer.
Na feira, selecionou as frutas: banana, laranja, pera, maçã, uva e abacaxi.
2. Se for citação ou frase de alguém, a maiúscula pede passagem:
Fernando Pessoa escreveu: “Navegar é preciso. Viver não é preciso”.
O diretor foi curto e grosso:
– Retire-se!