Sexta-feira, 26 de abril de 2024
Por Redação O Sul | 2 de dezembro de 2018
A cientista brasileira Livia Eberlin, de 32 anos, não usa meias palavras para descrever sua surpresa quando recebeu uma ligação da Fundação MacArthur com a notícia de que era uma das 25 pessoas escolhidas para receber a prestigiosa bolsa da instituição este ano, conhecida informalmente por beneficiar gênios.
“Quase caí dura no meu escritório. Quando falaram que era da fundação, achei que não fosse possível. Não sabia o que dizer”, admite a pesquisadora, que é professora do departamento de química da Universidade do Texas em Austin (EUA).
A reação não foi exagerada: anualmente, a fundação, uma das maiores dos Estados Unidos, seleciona talentos que tenham se destacado “criativamente” em diferentes campos, das artes à computação. Os escolhidos pela MacArthur recebem US$ 625 mil ao longo de cinco anos, sem nenhuma exigência em contrapartida, para que possam continuar a desenvolver seus trabalhos com conforto e liberdade.
“O legal da MacArthur é que é de fato uma surpresa total para quem ganha. Eles são superdiscretos e não revelam quem fez as indicações para se chegar aos eleitos. A única coisa que me revelaram é que levam em consideração pelo menos 30 cartas de recomendação”, explica Livia.
O que rendeu à brasileira a lembrança de seus pares foi sua pesquisa em um campo específico da espectrometria, usada para medir a massa das moléculas presentes numa determinada amostra. O grupo liderado por Livia tem se dedicado a investigar como a técnica pode ser utilizada para facilitar o diagnóstico de câncer de pele.
Ela e sua equipe desenvolveram a MasSpec Pen, aparelho no formato de uma caneta que permite identificar se o paciente tem câncer em apenas dez segundos. Hoje, uma análise padrão pode levar até duas horas para obter o resultado definitivo.
“Se a espectrometria for feita em uma amostra bem complexa como um tecido humano, você adquire um espectro capaz de revelar a composição da amostra e a abundância dessas moléculas. Tecidos normais e tecidos cancerosos têm uma composição completamente diferente. Com a tecnologia que desenvolvemos, conseguimos analisar esses perfis em questão de segundos”, detalha Livia, que ressalta que a caneta está em fase de testes.
Jovem, mas com vasto currículo, a brasileira considera “muito estranho” que alguém a chame de “gênio”.
“Jamais pensei que gostaria de ser chamada deste modo. Parece que a pessoa está exagerando. O interessante é que, se você olhar as pessoas que receberam o prêmio, elas não viriam imediatamente à sua mente se você pensasse em “gênio”. Há uma diversidade de ideias e de conhecimento anterior ali. A palavra faz lembrar o Einstein, o estereótipo de um homem branco e idoso”, observa.
Nos Estados Unidos, a indicação da brasileira tem sido apontada como uma vitória para a comunidade latina, alvo de preconceito no país. Para ela, a conquista é válida por mostrar que latinas podem ser bem-sucedidas na maior potência do planeta para além do campo do entretenimento.
“A maioria dos latinos que fazem sucesso por aqui são artistas de Hollywood, como Eva Longoria ou Sofia Vergara, por exemplo. É estranho quando você é a única pessoa de um determinado tipo em um lugar, como a universidade”, diz ela, que em seu laboratório comanda uma equipe em que, curiosamente, as mulheres são maioria.
Apesar de trabalhar no exterior, sua formação foi no país e ela a classifica positivamente.
“Minha formação no Brasil foi maravilhosa. Quando comecei o doutorado nos EUA me senti tão capacitada quanto os outros doutorandos”, diz a cientista, que aponta a falta de recursos como o grande abismo que separa a ciência americana em relação a outros países.